sexta-feira, 17 de março de 2017

Biografia de Álvaro Guimarães Filho


Biografia embasada em texto do Prof. Dr. Henrique A. Paraventi

     Nascido em São Paulo, a 29 de agosto de 1901, Álvaro Guimarães Filho fez seus estudos em São Paulo e no Rio de Janeiro, no Colégio de São Bento e no Ginásio Oswaldo Cruz.
     Graduou-se pela Faculdade de Medicina de São Paulo em 1925. Durante o curso médico, foi interno da segunda enfermaria de Homens da Santa Casa de São Paulo, Cátedra de Clínica Médica dirigida por Rubião Meira, ali trabalhando com Álvaro Lemos Torres. Essa segunda enfermaria de homens da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo já era então renomado centro de estudos médicos e dela sairiam vários professores da Escola Paulista de Medicina.
     Durante o 6º ano médico, foi também interno efetivo da “Assistência Policial de São Paulo”. Foi eleito vice e posteriormente presidente do “Centro Acadêmico Oswaldo Cruz”, e, nessa época, chefiando delegação de universitários paulistas, levou ao 1º Congresso Interestadual de Medicina o trabalho “Estudo clínico do carcinoma primitivo do esôfago”.
     Depois de formado, defendeu tese inaugural, a 23 de março de 1926, intitulada “Higiene mental e sua importância em nosso meio”. Nesse mesmo ano viajou para a Europa, estagiando em Paris, na maternidade Baudelocque e no Hospital Broca, recebendo ensinamento de Couvelaire e Faure. Em Berlim, fez cursos de aperfeiçoamento com Strassman, Straus e Kristeller. Ainda em Viena frequentou na Universidade a segunda “Frauenklinik”, sob a orientação de Kermauner.
     Após meses de permanência nesses centros médicos, retornou ao Brasil em 1927, onde foi admitido como assistente voluntário na Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina de São Paulo, sob a chefia de Raul C. Briquet. Ali organizou o serviço Pré-Natal, e a seção de urologia feminina, assim como o departamento de Radiodiagnóstico Obstétrico. Em 1933 atingia a chefia clínica nessa disciplina.
     Suas atividades didáticas, no entanto, iniciaram-se em 1931, quando foi nomeado Professor de Enfermagem Cirúrgica na Escola de Obstetrícia e Enfermagem Especializada de São Paulo, anexa à Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina.
     Em 1932, por ocasião do movimento Constitucionalista, exerceu função de auxiliar médico da Superintendência dos Serviços Auxiliares de Saúde.
     Em 1933, foi encarregado por Paula Souza de organizar o serviço de Higiene Pré-Natal, no Centro de Saúde do então Instituto de Higiene de São Paulo, primeira organização desse gênero instalada no Brasil. Nesse mesmo ano é designado Professor Catedrático de Clínica Obstétrica da recém-fundada Escola Paulista de Medicina.
     Participa como sócio fundador de nova entidade associativa dos médicos de São Paulo, a Associação Paulista de Medicina, onde exerceu a presidência do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia.
     Em 1935 foi laureado pela Academia Nacional de Medicina, conjuntamente com Álvaro Lemos Torres e Jairo Ramos com o prêmio e medalha de ouro “Madame Durocher”, pelo trabalho “Coração na Gravidez”, em que firmam a conduta aplicada à gestante cardiopata.
     Desde o início de sua carreira no magistério superior, através de atividades didáticas, publicações em revistas especializadas e palestras proferidas nas várias entidades médicas, deu grande realce aos métodos de proteção materna e infantil, preocupando-se com o problema da mortalidade e morbidade maternas e perinatais. A semiologia obstétrica, a fisiologia da parturição e a orientação nutricional da gestante encontram nele fervoroso cultor.
     Em 1937, após brilhante concurso, é o primeiro a galgar o degrau de livre docência de Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
     Os problemas éticos e morais na formação de médicos, enfermeiras e parteiras encontraram sempre em Álvaro Guimarães Filho devoto divulgador e defensor.
     Com a criação da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Paulo, foi empossado como professor catedrático da cadeira de Higiene Materna, onde permaneceu até a aposentadoria compulsória, ocupando também o cargo de diretor da Faculdade. Durante três períodos, integrou o Conselho Universitário de São Paulo, afastando-se somente pela aposentadoria compulsória. Nessa faculdade orientou  inúmeros médicos, enfermeiras, educadoras sanitárias, assistentes sociais, administradores hospitalares e nutricionistas, transmitindo-lhes com seu saber e dedicação ideias básicas de proteção materna.
     Para divulgação dos ensinamentos da especialidade fundou e dirigiu muitos anos a “Revista de Ginecologia e Obstetrícia de São Paulo”.
     Foi membro do Conselho Superior de Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por designação de sua Eminência, o Grande Chanceler, D. Carlos Carmelo, Cardeal Motta.
     Foi perito para questões matrimoniais do Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de São Paulo e um dos organizadores da Maternidade “Pró-Matre Paulista”.
     Na Escola Paulista de Medicina iniciou o curso regular de Clínica Obstétrica em 1938, permanecendo até a aposentadoria compulsória.
     Falar de Álvaro Guimarães Filho nessa fase de afirmação da Escola Paulista de Medicina seria desnecessário, tal o conhecimento público de sua profícua e intensa atuação.
     Nessa época, por solicitação de Lemos Torres, funda a “Escola de Enfermeiras do Hospital São Paulo” e com grupo de senhoras da sociedade paulista o Amparo Maternal. Com pertinácia, colabora intensamente na reativação das obras do Hospital São Paulo, que foi o primeiro hospital de ensino universitário criado no Brasil.
     Com o inopinado desaparecimento do Professor Lemos Torres, ocorrido em 1942, foi eleito diretor da Escola. Durante 14 anos teve a si o cargo de consolidar a instituição dando plenamente à Escola Paulista de Medicina o entusiasmo de sua juventude, o equilíbrio de sua maturidade e a energia do seu caráter. Apesar dos afazeres administrativos, jamais abandonou sua atividade didática e de pesquisa clínica a que sempre esteve afeito.
     Tomou parte ativa nos cursos regulares e de extensão universitária da sua Cadeira, não abandonando as atividades cirúrgicas e assistenciais de sua clínica. Foi inúmeras vezes solicitado para bancas examinadoras de provimento de cátedras e docências livres em quase todas as escolas médicas do Brasil.
     Durante sua gestão na diretoria da Escola Paulista de Medicina, alguns fatos devem ser lembrados: a ampliação do prédio da Escola e a conclusão do Hospital São Paulo, após árduas lutas e reivindicações junto ao Governo Federal, para conseguir o resgate da dívida do Hospital perante a Caixa Econômica Federal, terminado no ato público e festivo de doação do Hospital São Paulo à Escola Paulista de Medicina, através da Lei Federal 939 de 1 de dezembro de 1949 e sancionada pelo presidente da República Marechal Eurico Gaspar Dutra, sendo ministro da Educação e Cultura o Prof. Dr. Clemente Mariani e cabendo ao Deputado Federal paulista Dr. Horácio Lafer a feliz interferência nessa conquista.
     Ainda sob sua orientação foi construído o pavilhão de Patologia Médica, batizado em homenagem a Lemos Torres.
     Ao atingir, em 1966, a idade limite, foi jubilado após tantos esforços, dedicação e lutas para conservar bem alto os ideais dos fundadores da Escola Paulista de Medicina.
     Até bem pouco tempo [meados dos anos 1970] esteve à frente da primeira maternidade social criada em São Paulo, em plena atividade, no “Amparo Maternal de Vila Clementino”.

Fonte bibliográfica: “Álvaro Guimarães Filho”, pelo Prof. Dr. Henrique A. Paraventi, in A Escola Paulista de Medicina – Dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes – Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, págs, 24 a 28.

     

domingo, 5 de março de 2017

Manifesto de Fundação da Escola Paulista de Medicina


     A anormalidade das condições de vida espiritual e material que há longos anos vem assolando a Humanidade, e que tão intensamente tem repercutido em nossa Pátria, não teve o dom de prostrar as energias do espírito paulista. A vitalidade espiritual de São Paulo tem o vigor das forças naturais incoercíveis, a que o homem pode dar uma direção, mas nunca opor um obstáculo eficaz.
     Às inúmeras provas que ela tem dado da sua exuberância junta-se hoje mais uma, que por certo nada deverá às demais em brilho e valor. Trata-se da fundação da Escola Paulista de Medicina, que visa atender a mais de um problema do nosso meio.
     Em primeiro lugar, o do ensino médico, que tem sempre tido, para São Paulo, enorme importância. De 1912 a 1917 grande esforço se despendeu na formação da Universidade de São Paulo [[1]], o sonho malogrado de EDUARDO GUIMARÃES e que viria contribuir para sua solução. Em 1912 o próprio governo paulista, dominado pela impressão da necessidade de uma escola médica em São Paulo, delegou a ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO poderes plenos para sua criação. Do esforço infatigável desse inesquecível paulista resultou a Faculdade de Medicina de São Paulo, que tantos e tão sólidos motivos de orgulho tem dado à nossa terra.
     Paradoxalmente, entretanto, a mesma Faculdade, que se propunha resolver o problema do ensino médico entre nós, e que por algum tempo o fez, contribuiu, a seguir, para sua agravação, graças ao enorme impulso que deu às letras médicas e ao número elevado de profissionais competentes que formou, criando assim novos e vivos estímulos para a vocação médica. E hoje a Faculdade de Medicina de São Paulo é insuficiente para colher a totalidade dos frutos de sua própria obra de nobre e elevada propaganda da Medicina como profissão.
     Tal circunstância, aliada às demais condições determinantes da orientação vocacional e ao sempre crescente poder de absorção de novos médicos, cuja falta cada dia mais se faz sentir por todo nosso Estado, onde há núcleos inteiros de população desprovidos de recursos clínicos – deu em resultado cursarem atualmente as demais escolas médicas brasileiras cerca de mil e quinhentos jovens paulistas.
     Esse fato, se tem constituído um elemento importante para a unidade espiritual brasileira, não tem sido sem dano para a Família e para a economia paulistas. Em seu aspecto espiritual são outros tantos rapazes que realizam, fora do âmbito familiar, uma das fases mais importantes de sua formação moral; em seu aspecto material são milhares de contos anualmente desviados da economia paulista – e essas circunstâncias serão beneficiadas pela nova Escola.
     Outro problema de importância inegável concorre para a fundação de uma nova escola médica, e é a situação da Assistência Hospitalar entre nós. Rica em tantos aspectos da vida social, nossa terra é indigente na assistência hospitalar à população pobre ou remediada.
     Tal situação seria um opróbrio para São Paulo, não fosse próprio dos organismos jovens e em rápido crescimento realizarem-no assim mesmo, adiantando-se muito o desenvolvimento de alguns órgãos e retardando-se o de outros.
     Uma escola médica exige instalações hospitalares para o ensino das clínicas, e a criação de seu hospital não será o menor serviço prestado a São Paulo pela nova Escola que, só por isso, faria jus ao maior carinho e ao melhor desvelo por parte da população paulista.
     A premência desses dois problemas – o do ensino médico e o da assistência hospitalar – bastaria para justificar amplamente a presente iniciativa; por outro lado, o elevado grau de desenvolvimento, já referido, alcançado entre nós pela cultura médica, e o interesse que São Paulo sempre dedicou às manifestações da atividade intelectual são motivos que legitimam a certeza de que a nova Escola nasce com os mais seguros elementos da vitalidade.
     Os signatários, fundadores da Escola Paulista de Medicina, se congregam em Sociedade Civil despidos de qualquer intenção de lucro material. Segundo disposições expressas em seus estatutos, as quotas de formação de capital inicial não serão recuperadas, os lucros decorrentes do funcionamento da Escola serão integralmente aplicados na melhoria das instalações da mesma, e no caso de liquidação da Sociedade o seu patrimônio reverterá em benefício de instituições científicas idôneas [[2]].
     Anunciando ao público a sua decisão, os signatários estão certos de que servem à coletividade, e dela esperam amparo e colaboração.

     São Paulo, 1 de junho de 1933.

Dr. Afrânio do Amaral
Dr. Álvaro Guimarães Filho
Dr. Álvaro de Lemos Torres
Dr. Alípio Correa Neto
Dr. Antônio Carlos Pacheco e Silva
Dr. Antônio Bernardes de Oliveira
Dr. Antônio Prudente
Dr. A. Almeida Junior
Dr. Archimede Bussaca
Dr. Carlos Fernandes
Dr. Décio de Queiroz Telles
Dr. Domingos Define
Dr. Dorival Cardoso
Dr. Eduardo Ribeiro da Costa
Dr. Fausto Guerner
Dr. Felício Cintra do Prado
Dr. Felipe Figliolini
Dr, Flávio da Fonseca
Dr. H. Rocha Lima
Dr. Jairo Ramos
Dr. José Medina
Dr. José Ignácio Lobo
Dr. José Maria de Freitas
Dr. João Moreira da Rocha
Dr. Luiz Cintra do Prado
Dr. Marcos Lindenberg
Dr. Nicolau Rosseti
Dr. Octavio de Carvalho
Dr. Olivério M. Oliveira Pinto
Dr. Otto Bier
Dr. Paulo Mangabeira Albernaz
Dr. Pedro de Alcântara
Dr. Rodolfo de Freitas


[1] A Universidade de São Paulo referida no texto era privada. Iniciou seus cursos em 1912 e foi fechada em 1917. A atual Universidade de São Paulo foi fundada em 1934.
[2] A Escola Paulista de Medicina foi privada de 1933 a 1956, quando foi federalizada.