Baseada em texto de João Roberto Pires de Campos
Em 1932, visando
adquirir prática de Ambulatório, informa João Roberto Pires de Campos que
passou a frequentar o serviço de Clínica Médica de Homens da Policlínica de São
Paulo, à Rua do Carmo, ambulatório esse dirigido por Felício Cintra do Prado,
que acabava de regressar de viagem de estudos à Europa.
Diplomado pela
Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1923, Felício Cintra do Prado iniciou
sua vida profissional na área de Neurologia, na qual fez sua tese de
doutoramento, Síndrome pirâmido-palidal, aprovada
com distinção e distinguida com o Prêmio
Sérgio Meira de 1924, conferido pela então Sociedade de Medicina e Cirurgia de
São Paulo.
Tendo deliberado
dedicar-se à clínica das moléstias do aparelho digestivo e da nutrição,
empreendeu viagem de estudos à Europa, onde frequentou vários serviços
hospitalares durante os anos de 1926, 1927 e 1928, especialmente em Viena e
Berlim. Nesta última cidade trabalhou como assistente estagiário do Serviço do
Professor Rudolph Ehrmann, no Hospital Neukoeln, onde coligiu material para o
livro “Colecistite e Patologia Gastrointestinal”, laureado em 1930 pela Academia
Nacional de Medicina com o Prêmio Alvarenga. De regresso a São Paulo, começou a
trabalhar como clínico geral, manifestando predileção, que ainda conserva [em
1977, quando foi escrito o texto em que nos baseamos] pelos assuntos de
gastroenterologia e terapêutica.
Em 1933 começou a
frequentar também o serviço da Policlínica um médico ainda moço, entusiasta,
vivaz, que pouco depois falava da necessidade de criação de uma segunda Escola
Médica em São Paulo: era Octavio de Carvalho, quem pouco depois, apesar da
crítica e incredulidade de muitos, reunia a seu redor um grupo de médicos de
escol, fundando com eles a Escola Paulista de Medicina. Para a cadeira de
Terapêutica Clínica foi escolhido Felício Cintra do Prado.
Em março de 1937
tiveram início as atividades da Cadeira, com aulas no anfiteatro da Sociedade
de Medicina e Cirurgia e demonstrações práticas na Policlínica, que funcionava
em 3 andares do mesmo edifício à Rua do Carmo. Foram seus assistentes,
inicialmente, J. R. Pires de Campos e Francisco Xavier Pinto Lima e,
posteriormente, também Reinaldo Chiaverini, Edmundo Blundi, Guido Guida,
Dionysio Queiroza Guimarães, Milton Alvim Soares, Arnaldo Markman e outros. Só
em 1953 a Cadeira de Terapêutica foi transferida para o Hospital São Paulo.
Nascido em Amparo,
Estado de São Paulo, a 20 de maio de 1900, Felício Cintra do Prado fez o curso
secundário na cidade de Itu, no Estado de São Paulo, no Colégio São Luís dos
padres jesuítas. Foi sempre um expositor brilhante, de palavra fácil e
escorreita, gestos fidalgos e serenos, a evidenciarem sua primorosa educação.
Acessível, desde logo soube conquistar a admiração e simpatia dos alunos que,
em 1940, o escolheram como paraninfo da terceira turma de médicos formados pela
Escola Paulista de Medicina. A sua oração de paraninfo “A Medicina e o Médico
na Sociedade Contemporânea” (Pocai, São Paulo, 1941, 34 páginas) é um primor
pelos conceitos inclusive no alerta já naquela época, dos perigos da plena
socialização da Medicina de um lado e do outro do individualismo exagerado do
médico [conforme palavras do autor da biografia João Roberto Pires de Campos].
Atuais e sempre oportunas são as suas expressões no final da aplaudida oração: “Mais
grave, pelas suas consequências mediatas, se apresenta outro aspecto da
questão, o cultural, que quer dizer crise do ensino. Trata-se, em rigor, de um
período de adaptação. Não me refiro às mazelas e às fraudes do ensino, que constituem
mal endêmico e pandêmico, mas à orientação do aprendizado. Vivemos uma época
acentuadamente utilitarista e prática, em que se procura o rendimento máximo,
rápido e fácil do trabalho, e este, mecanizado quanto possível. É o domínio,
fatalmente passageiro, do material sobre o espiritual, e outras verdades
sediças. O reflexo desta mentalidade já atingiu os arraiais do ensino, e o
médico, influenciado pelo meio, corre agora o risco de transformar-se num
simples técnico. Há mesmo os que defendem semelhante teoria, a qual terá sob
algum prisma a sua justificativa, mas que, aliviando demasiado o ensino, ameaça
a indispensável formação cultural do médico. Vencedora a tese, a derrota no fim
será da profissão, levada aos poucos, de transigência em transigência, ao
regime de práticos diplomados ou médicos licenciados, muito hábeis por certo,
mas no fundo, gamelas e rábulas do ofício”.
“Por último, o
aspecto moral do problema, a crise ainda em esboço. Precisamos revalorizar a
figura do profissional, desprestigiada pelo materialismo, pelo abandono das
diretrizes espirituais na vida, e revalorizar não apenas pela cultura, mas
também pela elevação do espírito e dignidade da conduta”.
Felício Cintra do
Prado casou-se com Leonor do Prado em 4 de outubro de 1937. Tiveram sete
filhos: Luiz Eduardo, Heloísa Campos Pupo, Eleonora Velloso Roos, Fernando,
Maria Cristina Prestes Motta, Felício Cintra do Prado Jr. e Patrício.
Frequentador
assíduo das reuniões da Congregação da Escola Paulista de Medicina, sua palavra
criteriosa era sempre ouvida e acatada por seus pares. Também foi, durante
longos anos, membro do Conselho Técnico-Administrativo da Escola, de que era
muito cioso, e na crise política de 1964 exerceu com equanimidade por curto
período a Diretoria da Escola.
Tomou parte em Bancas
Examinadoras de concursos de Livre Docência ou de preenchimento de Cátedra, em
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, entre outras.
Foi um dos
fundadores da Associação Paulista de Medicina, da qual foi Vice-Presidente nas
diretorias de João Alves de Lima e Rubião Meira; e também da Sociedade de
Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo, tendo sido eleito seu Presidente,
por duas vezes.
Presidente da
atual Academia de Medicina de São Paulo, em 1953, sua gestão foi marcada pela
remodelação total de sua sede. Em reconhecimento ao trabalho então realizado, a
Academia promoveu-lhe, em 1954, expressiva manifestação, conferindo-lhe o
título de Sócio Benemérito.
Sua inclinação
sempre foi pela Gastroenterologia, especialidade em que adquiriu grande
notoriedade. Foi um dos fundadores da Federação Brasileira de Gastroenterologia,
da qual chegou à Presidência. Em 1952, como relator brasileiro ao Primeiro
Congresso Panamericano de Gastroenterologia realizado no México, apresentou importante
trabalho sobre pancreatites. Como Secretário Geral da Comissão Organizadora do
IV Congresso Panamericano, realizado em São Paulo, contribuiu incansavelmente para
o grande sucesso alcançado. Participou ainda, como relator de temas oficiais,
dos Congressos Panamericanos de Havana e de Bogotá.
Ultimamente [em
1977] seu labor se tem voltado para as edições do livro “Atualização
Terapêutica”, em colaboração com Jairo Ramos [em 1977, já falecido] e Ribeiro
do Valle. Desde a primeira edição, de 1957, até a décima, de 1975, o livro tem constituído
sucesso da literatura médica nacional, esgotando-se rapidamente suas tiragens e
totalizando atualmente mais de 80 mil exemplares.
Cintra do Prado é
membro da Academia Nacional de Medicina na Argentina, da Academia
Teuto-Ibero-Americana de Medicina, da Alemanha, da Sociedade Nacional de
Gastroenterologia da França, da Sociedade de Gastroenterologia e membro
honorário da Associação Interamericana de Gastroenterologia.
Autor de “Clínica
das Afecções do Estômago” (Edições Melhoramentos, São Paulo, 1950); de “Curso
de Atualização Terapêutica”, em colaboração com o Professor José Ribeiro do
Valle, coletânea das aulas proferidas por um grupo de Professores da Faculdade
de Medicina da USP e da Escola Paulista de Medicina (Labofarma, São Paulo,
1952); de “Curso de Dietética”, coletânea de conferências de professores da
Escola Paulista de Medicina em Curso organizado por Felício Cintra do Prado (Edições
Nestlé, São Paulo, 1952).
Felício Cintra do
Prado publicou mais de cem trabalhos no Brasil e em importantes revistas
estrangeiras como, por exemplo, no Journal
of the American Medical Association, no American
Journal of Digestive Diseases, na Presse
Médicale, em La Prensa Medica
Argentina e na Deutsche MedizinischeWochenschrift.
Felício Cintra do
Prado faleceu em 22 de fevereiro de 1983. Seu nome figura como patrono da
cadeira nº 41 da Academia de Medicina de São Paulo, e como nome de uma rua do
bairro de Vila Império da cidade de São Paulo.
Referências bibliográficas:
1 – Capítulo intitulado “Felício Cintra do Prado”, escrito
por João Roberto Pires de Campos no livro “A Escola Paulista de Medicina –
dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes”.
Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 71 a 75.
2 – site da Academia de Medicina de São Paulo
http://www.academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/55/BIOGRAFIA-FELICIO-CINTRA-DO-PRADO.pdf