quinta-feira, 16 de maio de 2019

Biografia de Otto Guilherme Bier


A partir de texto de Reynaldo Schwindt Furlanetto e de texto de Helio Begliomini

     Otto Bier nasceu em 26 de março de 1906, na cidade do Rio de Janeiro, onde cursou o Colégio Pedro II. Diplomou-se em 1928 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ainda como estudante, manifestou sua vocação para Microbiologia. Em 1925 fez o Curso de Aperfeiçoamento em Bacteriologia e Imunologia do Instituto Oswaldo Cruz, com Antônio Cardoso Fontes.
     Para manter-se durante o curso, tocava violino juntamente com seu irmão, que tocava piano, acompanhando os filmes mudos nos Cine-Theatros da então Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, na Cinelândia, bem como na Tijuca e em Copacabana. Esse trabalho lhe garantia em torno de dois mil réis por mês. Nesse ambiente, conviveu com músicos e compositores que viriam a ser famosos, como “Pixinguinha”, cujo nome era Alfredo da Rocha Vianna e seu irmão Otávio Vianna, conhecido como “China”. Também Benedito Lacerda, Cândido Pereira da Silva, o “Candinho”. Anacleto de Medeiros, Catulo da Paixão Cearense, Joaquim Antônio Calado e Ernesto Nazareth.
     Refere o Dr. Begliomini que Otto Bier disse, anos mais tarde, ao Prof. Osvaldo Augusto Sant’Anna, pesquisador do Butantã, que considerava Pixinguinha um gênio e o choro representava o sentimento brasileiro.
     Quando de sua passagem pelo Instituto Oswaldo Cruz, Bier conviveu com Carlos Chagas, Henrique Aragão, Thales Martins e Evandro Chagas. Recebeu grande influência de Henrique da Rocha Lima que, em 1928, veio de Manguinhos para São Paulo para chefiar a Divisão de Biologia Animal do Instituto Biológico. Nessa época, o diretor do Instituto Biológico era o Dr. Arthur Neiva, entomologista do Instituto Oswaldo Cruz que já estava há anos em São Paulo, onde dirigiu o Serviço Sanitário.
     Otto Bier veio trabalhar no Instituto Biológico de São Paulo, juntamente com Adolfo Martins Penha, Celso Rodrigues e José Reis, a convite de Genésio Pacheco, seu antigo professor, que veio organizar a Secção de Bacteriologia. Em 1934, Bier passou a dirigir o Serviço de Sorologia, que mais tarde se tornou Secção de Imunologia.
     Aperfeiçoou-se em Microbiologia e Imunologia na Alemanha, no Instituto Robert Koch, em Berlim, e no Instituto Ehrlich, em Frankfurt, e nos Estados Unidos, no College of Physicians and Surgeons da Universidade de Columbia, com o Prof. M. Heidelberger (Imunologia Quantitativa), na qualidade de Fellow da Fundação Guggenheim (1941-1942 e 1946-1947). Publicou cerca de duzentos trabalhos no campo da Bacteriologia e da Imunologia, inclusive um livro texto que sem encontrava na 15ª edição, quando da escrita do texto biográfico do Dr. Furlanetto, na década de 1970.
     Ocupou os cargos de Chefe da Secção de Imunologia do Instituto Biológico da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo (1948-1955), de Diretor do Instituto Butantã (1944-1947) e de Professor Catedrático de Microbiologia e Imunologia da Escola Paulista de Medicina (1933-1968), da qual foi fundador e na qual exerceu o cargo de Vice-Diretor. Na EPM foi paraninfo da turma de 1955.
     Otto Bier foi um dos membros fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 8 de novembro de 1948, constando como um dos conselheiros já da primeira gestão, tendo Jorge Americano como presidente e Maurício Rocha e Silva como Vice-Presidente. A SBPC nasceu da liderança de cientistas paulistas com a finalidade de proteger instituições de pesquisa da intervenção estatal.
      Em 1951, esteve com o Prof. Pierre Grabar no Instituto Pasteur, em Paris. Fez estudos sobre complemento e anafilaxia cutânea. Em 10 de agosto de 1957, juntamente com outros pesquisadores, fundou a Sociedade Brasileira de Fisiologia. Foi autor de importantes contribuições no estudo da reação antígeno-anticorpo, mais especificamente no estudo da fixação de complemento como método de diagnóstico de doenças infecciosas. Tinha grande percepção da importância que a Imunologia viria a ter em Ciências Biológicas.
     Comforme Begliomini, o Prof. Bier, juntamente com Ivan Mota, contribuiu para a formação das primeiras gerações de imunologistas brasileiros, com projetos, teses, cursos, e estágios no exterior. Com recursos obtidos da Capes e da Fundação Ford desenvolveu o primeiro curso de treinamento em Imunologia do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Escola Paulista de Medicina, onde buscavam preparar seis novos imunologistas por ano e pesquisas básicas em Imunologia. A partir daí, estabeleceu-se o Centro de Imunologia da Organização Mundial de Saúde sediado na EPM. O “WHO Immunology Research and Training Centre” foi estabelecido em 1965. Com a integração da Organização Pan-Americana de Saúde, em 1967, passou a ser chamado “Pan American Health Organization (PAHO) / World Health Organization (WHO) Immunology Research and Training Centre in Brazil”.   
     Após a aposentadoria de Otto Bier na EPM, em 1969, esse curso foi transferido para o Instituto Butantã, instalado no prédio Lemos Monteiro até o encerramento das suas atividades em 1983.
     Em 7 de julho de 1972, juntamente com Ivan Mota, Wilmar Dias da Silva, Nelson Monteiro Vaz e outros dezesseis imunologistas, durante o XXIV Congresso da SBPC, fundou a Sociedade Brasileira de Imunologia, evento ocorrido na FAU-USP. O Prof. Bier presidiu essa Sociedade nas duas primeiras gestões (1972-1977 e 1978-1980).    
     O Prof. Reynaldo S. Furlanetto refere ter sido seu aluno na Escola Paulista de Medicina em 1936, quando teve seu interesse despertado por Imunologia e Microbiologia a partir das aulas e da didática do Prof. Bier. Ambos voltaram a se encontrar em 1944 no Instituto Butantã. Desde então, o Prof. Furlanetto foi seu Assistente na Escola Paulista de Medicina e depois no Instituto Biológico, totalizando um convívio de quatorze anos. A partir dessa convivência, Prof. Furlanetto diz que o Prof. Bier era de saber eclético, sempre destacado nos cenários científicos nacional e internacional e ainda tinha tempo para ouvir música erudita, sendo que era excelente violinista, além de refinado “gourmet”.
     O Prof. Bier parecia austero ao primeiro contato, mas depois mostrava-se alegre, contador de histórias de variado repertório. Recorda o Prof. Furlanetto que, certa vez, no fim de um dia de trabalho, eles tiveram uma divergência no laboratório e o Prof. Bier o tratou de forma áspera. Na manhã seguinte, bem cedo, O Prof. Bier foi à casa do Prof. Furlanetto e lhe pediu desculpas, dizendo achar primordial preservar as velhas amizades, e lhe presenteou com um livro de Ramon y Cajal intitulado “Charlas de Café”, com a seguinte dedicatória: “Que este livrinho, com as boas palavras que o acompanham, sirva para que esqueça as más palavras que ouviu de um amigo neurastênico, que muito o preza e o admira”. O capítulo inicial desse livro traz pensamentos sobre a amizade.
     Em serviço, o Prof. Bier era extremamente exigente. Não aceitava resultados de laboratório que não fossem concordantes em quadruplicata, de modo que seguia com o trabalho noite adentro. Exigia originalidade e honestidade nas pesquisas e não suportava “franco atiradores sem gabarito”. Sua grande preocupação era elevar o padrão científico de nosso meio. Em sua direção no Butantã obteve várias bolsas de estudo para pesquisadores fora do Brasil e trouxe cientistas de renome internacional para que aqui formassem escola. Alguns deles criaram laboratórios de elevado padrão em especialidades ainda não existentes no país.
     Integrou o núcleo inicial de Conselheiros do Conselho Nacional de Pesquisas, CNPq, (1951-1955) e foi Membro desse Conselho, de 1958 a 1967. Exerceu a função de Assessor Na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Foi membro do Conselho Científico da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Presidente da Sociedade Brasileira de Biologia. Presidente da Sociedade de Microbiologia. Vice-Presidente da Academia Brasileira de Ciências.
     Foi membro de várias sociedades estrangeiras, como a Sociedade Americana de Imunologistas, Sociedade Britânica de Imunologia, Academia de Ciências de Nova York, Sociedade de Bacteriologistas Americanos, Academia Americana de Microbiologia, Sociedade Francesa de Microbiologia, Sociedade de Biologia Experimental e Medicina e outras.
     Participou de numerosos congressos e simpósios internacionais, tendo presidido algumas secções das áreas de Imunologia e Microbiologia, como no Rio de Janeiro e em Roma.
     Foi membro da Comissão de Elaboração do Anteprojeto de Reforma do Ensino Médico do Ministério da Educação e Cultura e da Comissão de Ensino Médico do mesmo Ministério.
     Na Organização Mundial de Saúde foi membro do Comitê de Peritos em Doenças Venéreas e Treponematoses e Peritos em Imunologia. Foi delegado do Brasil junto à Unesco e, de 1963 a 1966 ocupou o cargo de Membro do Comitê Consultivo do Centro Panamericano de Febre Aftosa (Rio de Janeiro) e do Centro Panamericano de Zoonoses (Buenos Aires), ambos da Organização Panamericana de Saúde, e a partir de 1966, o cargo de Diretor do Centro de Pesquisa e Formação em Imunologia”, no Instituto Butantã. Exerceu a função de Coordenador de Serviços Técnicos Especializados da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
     Em 1955, o Prof. Furlanetto assumiu o cargo de Titular na Disciplina de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de Sorocaba, quando ambos passaram a trabalhar distantes.
     Ainda conforme Begliomini, em 1978, já aposentado, mas ainda trabalhando no Instituto Butantã, Otto Bier tomou posse na Academia de Ciências do Vaticano, apresentando o trabalho Immunological and Epidemiological Speculations on Leprosy, em coautoria com Osvaldo Augusto Sant’Anna, baseado no controle de imunorreceptores.
     Escreveu os livros “Bacteriologia e Imunologia – Suas Aplicações à Medicina e à Higiene” (1941), que teve 19 edições, todas revisadas por ele; “Noções Básicas de Imunoterapia e Quimioterapia” (1944); “Imunologia Básica e Aplicada” (desde 1963 em várias edições e com a colaboração de Ivan Mota, Wilmar Dias da Silva e Nelson Monteiro Vaz). Em 1979 esse livro foi editado em inglês e em alemão. Ainda como publicação post-mortem, em 1990, teve o livro “Microbiologia e Imunologia” em várias edições.  
     O Prof. Dr. Otto Guilherme Bier faleceu em 22 de novembro de 1985, aos 79 anos. A partir de 2008 seu nome está na Biblioteca Virtual Otto Bier da Sociedade Brasileira de Imunologia. É patrono da cadeira de nº 104 da Academia de Medicina de São Paulo.

Fontes Bibliográficas:
Begliomini, H. – Otto Bier. Academia de Medicina de São Paulo.
Acessível em https://www.academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/109/BIOGRAFIA-OTTO-GUILHERME-BIER.pdf
Furlanetto, RS – Otto Guilherme Bier in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes. Organizado por José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 134 a 137.