Horácio Kneese de Mello nasceu em São Paulo em
3 de abril de 1914. Foi o sexto de sete filhos em sua família. Descreveu seu
pai como um liberal de sua época, que entendia os problemas da então juventude,
e que se casou já em idade madura. E que certas decisões na família eram
tomadas pelo pai. Diz ele que, como não havia rádio ou televisão, cada filho
tinha que aprender a tocar um instrumento. A ele coube o violino, que ele
duramente manteve o estudo por quatro anos com o professor Zacarias Autuori,
até que ele convenceu seu pai de que deveria parar.
Horácio começou
seus estudos com uma governanta alemã, Dona Angélica, que morava em sua casa.
Quando decidiram levá-lo à escola, foi submetido a ligeiro exame na Escola
Americana, que era o curso primário do Mackenzie, onde ele entrou já no
terceiro ano. Nessa época, o curso primário regular tinha quatro anos. Nessa
escola, especificamente, tinha sete anos. Após esse primário, seguiu o curso
ginasial no mesmo local. Essa continuidade no Mackenzie era para quem fosse
seguir Engenharia. Ou ainda o curso de Comércio viria logo a seguir ao dito
primário. Como seu pai era quem decidia, o primeiro filho homem seguiu
engenharia e tornou-se arquiteto. O segundo seguiu comércio, para trabalhar com
o pai na casa J. Moreira e Companhia, atacadista de tecidos. O terceiro, que
era ele, Horácio, deveria seguir Medicina. Se houvesse mais um filho homem,
seguiria advocacia. Assim, Horácio foi transferido para o Liceu Rio Branco, na
Rua Maria Antonia, para seguir um curso mais apropriado à Medicina. Por ele
mesmo, Horácio teria seguido Engenharia para ser arquiteto, tal qual seu irmão
mais velho.
Desse modo, em
1933, entrou na primeira turma da Escola Paulista de Medicina. Durante o curso
médico foi presidente do Centro Acadêmico Pereira Barreto em 1934-1935. Foi
fundador e primeiro presidente da Associação dos Ex-Alunos da EPM.
Quando Horácio
estava no quinto ano do curso médico, em 1937, a EPM se mudou definitivamente
para a Vila Clementino. Ele morava na rua Bela Cintra e tinha que pegar dois
bondes para chegar à escola, que nessa época ficava naquele “fim de mundo”.
Pediu então a seu pai que lhe comprasse uma motocicleta. Em sua turma, só ele e
um colega, Luiz Junqueira Lobato, usavam. Refere ter ganho muito tempo de
estudo com esse transporte. Era uma moto alemã, DKW, pois não havia fabricação
no Brasil.
Seu pai tinha uma
fazenda no Estado do Rio, onde nasceu, cercada por fazendas de familiares.
Nesse ambiente, as pessoas reuniam-se à noite para tocar e cantar. Foi aí que
Horácio aprendeu a cantar e tocar violão e cavaquinho. Quando estudava
Medicina, tinha um colega de turma, Ramiro de Araújo Filho, que era bom músico
e tocava bem piano e violão. Horácio ia à sua casa e cantava acompanhado por
piano. Nazaré, esposa de Ramiro, dizia que ele cantava bem e que iria
encaminhá-lo a alguém. Na época, a editora de músicas Irmãos Vitale tinha um
estúdio no Largo da Sé, onde uma pianista acompanhava e orientava possíveis
futuros cantores. Ela chamava-se Naja. Aprovou Horácio como cantor. A partir
daí, começou a frequentar esse estúdio semanalmente, onde encontrava três ou
quatro rapazes, cantores como ele. Na época, havia em São Paulo apenas uma
estação de Rádio, a Rádio Educadora. Aos sábados à tarde Naja fazia lá um
programa de uma hora de duração, com a apresentação dos cantores. Ela fazia
questão de que o cantor tivesse a letra escrita, para não esquecer. Horácio manteve
guardado o caderno em que registrou as músicas: Meu Último Luar, Volta Para o
Meu Amor, A Mulher que Ficou na Taça, Amores de Estudante, Serenata. Eles procuravam
imitar os famosos, Francisco Alves, Orlando Silva e Sílvio Caldas. Em certa
excursão a Belo Horizonte, ele cantou Amores de Estudante em um programa. Em
São Paulo, foram surgindo novas estações de rádio. Os irmãos Fontoura, Olavo e
Dirceu, fundaram uma na Rua Padre João Manoel, onde ele cantou. Certa vez,
Paraguassu (assim, com dois s), cantor profissional, pediu a Naja que lhe enviasse
algum de seus pupilos, e ele foi encaminhado à Rádio Cruzeiro do Sul para fazer
um teste, onde ele cantou Serenata, de Sílvio Caldas. Ele não soube do
resultado, mas também não gostava do modo de Paraguassu cantar. De todos esses
cantores, um apenas se profissionalizou.
Certa vez, Horácio
resolveu fazer uma serenata para sua namorada, Lydia, que morava na rua Haddock
Lobo, quase esquina com Estados Unidos. Ao lado dessa casa havia um terreno
vazio, com algumas árvores. Ele pediu ao Ramiro que o acompanhasse com o violão
e este levou junto um violinista, Chico, que tocava à noite em um café no
centro da cidade. O pai de Lydia era tido como pessoa brava, antes que ele o
conhecesse. Quando estava na segunda música, acenderam-se as luzes da casa e
houve uma debandada geral. No dia seguinte Lydia contou-lhe que fizeram uma
serenata. Ele revelou tratar-se dele mesmo.
Com poucos anos de
formado foi a Congresso de Cardiologia no Instituto de Cardiologia do México
juntamente com Jairo Ramos, quando então seguiam a escola de Frank Wilson,
segundo ele, divergente da escola de Louis Katz.
Com a morte de Lemos Torres em 1942, o Prof.
José Barbosa Correa passou a reger a chamada 2ª Clínica Médica. Com a morte de
Correa em 1948, o Prof. Horácio de Kneese Mello o substituiu, sendo o primeiro
ex-aluno da EPM a se tornar professor da Clínica Médica. Em 1951, com a criação
do Departamento de Medicina pelo Prof. Jairo Ramos, foi também criada a
Disciplina de Cardiologia, sob a chefia do Prof. Dr. Horácio K. Mello, que mais
tarde tornou-se o seu Professor Titular. Ainda em 1951, o Prof. Jairo pediu ao
Prof. Horácio que fizesse uma visita às faculdades americanas para trazer
noções que pudessem ajudar no desenvolvimento desse departamento. Assim, Horácio
e sua família viajaram pelos Estados Unidos em 1952 e 1953 para fazer essas
observações. Cumpriu essa missão e retornou. Com a aposentadoria precoce do
Prof. Jairo Ramos, em 1965, o Prof. Horácio foi eleito para o cargo de Chefe do
Departamento de Medicina[1].
Em 1964, Horácio lançou
o livro Problemas de Cardiologia. Sobre esse livro, vai a seguir um texto que
ele escreveu:
“Em 1964 lancei,
por intermédio do Fundo Editorial Procienx, um pequeno livro intitulado Problemas
de Cardiologia. Nele expus ideias que amadureceram ao longo de vinte e cinco
anos de exercício da medicina, em contato permanente com professores,
estudantes e colegas em geral.”
“O ponto que sempre
enfatizei, inclusive nesse livro, foi a necessidade que tem o médico de encarar
o doente como um todo, corpo e espírito. Cito autores que li, como, por
exemplo, Carl Binger (The Doctor’s Job, WW Norton & Company, New York,
1945), que diz: ‘a medicina não é e provavelmente nunca será uma engenharia
humana’. E mais: ‘É quase tão importante conhecer o tipo de doente que
apresenta a doença, como o tipo de doença que o paciente tem’.”
“Embora citando
alguns autores com os quais estou de pleno acordo, procurei escrever um livro
muito pessoal. Na sua introdução lê-se: ‘Não sabemos se o conseguimos, mas foi
nossa intenção escrever um livro diferente’. E ainda: ‘É um depoimento. Nele
procuramos discutir assuntos sobre os quais temos pensado longamente, e sobre
os quais achamos ter ideia bem firmada, fruto de contato diário com doentes,
estudantes e colegas’.”
“Para ilustrar meus
pontos de vista, descrevo vários casos clínicos. Sempre, naturalmente, por uma
questão de ética, não citando nomes ou quaisquer outros elementos que
permitissem identificar os pacientes”.
“Passados alguns
meses do lançamento do livro, recebi uma carta que foi para mim muito
interessante e agradável, não só porque fazia elogio ao livro como, também,
pelo pitoresco do seu final Aqui vai ela: ‘Caro Kneese, li o seu livro e
posso responder sua dúvida na introdução. Você conseguiu seu objetivo, sim. Deu
ao médico não especializado, que o vai ler, ideias seguras, honestas e simples
sobre muita coisa confusa – anticoagulantes, corticosteroides, hipotensores,
amigdalectomia, etc. Pôs o seu senso, o seu equilíbrio e experiência contra
muita coisa desajustada que vai sendo imposta como ciência, sem mais exame. E,
por fim, como ponto alto, lanço o apelo que, mais do que qualquer outro,
precisa ser ouvido com urgência – para que o médico volte a ser humano e
alcance, de novo, a condição humana de seu doente, e deixe de ser ‘o engenheiro’
em que dados técnicos o vão transformando. Um abraço saudoso e grato do Doente
da página 68’.”
O Prof. Horácio K.
Mello foi Diretor da EPM de 1970 a 1974 e foi eleito Presidente da Sociedade
Paulista para o Desenvolvimento da Medicina no último ano de sua gestão como Diretor,
tendo ficado até 1976. Também foi Presidente da Associação Brasileira de
Escolas Médicas.
O processo de
tornar-se Diretor da escola foi complexo. Em 1970, o então Diretor da EPM era o
Prof. Nylceo Marques de Castro, que faleceu por morte trágica. Foi
interinamente substituído pelo Prof. Horácio K. de Mello. Atendendo às novas
disposições legais, a lista tríplice de candidatos a diretor tornou-se lista
sêxtupla, sendo que encabeçaram a lista como presidente e vice-presidente o Dr.
Horácio K. de Mello e o Dr. Costabile Gallucci, respectivamente, cuja aprovação
pelo governo demorou durante quase todo o ano de 1970. Essa fase de
interinidade foi difícil e levada a contento pelo Prof. Horácio pela sua
capacidade de negociação em alto nível, bem como por seu prestígio e amor ao
trabalho, de modo que contornou os problemas com sabedoria e justiça.
Ainda em 1970, conforme informações do Dr. Adnan Neser: "foi graças à lucidez do Prof. Horácio que foi formada a primeira Comissão de Ensino e Residência Médica, na própria EPM, presidida pelo Prof. Azarias de Andrade Carvalho, auxiliado pelos Profs. Orestes Barini, Uanandy Andrade e por mim, Adan Neser, que fui designado como secretário da Comissão, com muita honra, como representante do Corpo de Residentes".
Ainda em 1970, conforme informações do Dr. Adnan Neser: "foi graças à lucidez do Prof. Horácio que foi formada a primeira Comissão de Ensino e Residência Médica, na própria EPM, presidida pelo Prof. Azarias de Andrade Carvalho, auxiliado pelos Profs. Orestes Barini, Uanandy Andrade e por mim, Adan Neser, que fui designado como secretário da Comissão, com muita honra, como representante do Corpo de Residentes".
Em 1972 fez parte
da delegação que a AMB enviou a Copenhague em um Congresso sobre Ensino Médico
organizado pela Associação Médica Mundial.
Também
foi membro e coordenador da Comissão de Ensino Médico do Ministério da
Educação, membro e presidente do Conselho da CAPES, assessor do CNPq,
presidente da Associação Brasileira de Educação Médica.
Aposentou-se em
1980, e, após isso, foi membro do Conselho Federal de Educação e do Comitê
Editorial do CNPq. Foi membro da Academia de Medicina de São Paulo, da Academia
Brasileira de Educação, membro honorário da Academia de Medicina do Chile e
professor “honoris causa” da Escola Paulista de Enfermagem[2].
Em 1985 fez uma exposição individual de pintura na Galeria Íbero-Americana
de Arte.
Em 1988 escreveu o
livro “Histórias Acontecidas e Outras Histórias”. Nesse livro relata histórias
pitorescas de sua vida em geral e profissional, além de contos e anedotas.
Depreende-se, de um
modo geral, que uma das virtudes centrais do Prof. Horácio em sua vida como
professor foi a capacidade de encontrar o equilíbrio e a diplomacia entre diferentes
grupos, com diferentes interesses, mesmo em situações de conflito.
Prof. Dr. Horácio
Kneese de Mello faleceu no ano de 1999[3].
[1]
Escola Paulista de Medicina – 60 anos de História. Organizado por O. R. Ratto,
L. K. Matsumura, H. A. Rothschild. Gráfica Poolprint, 1993.
[2]
Mello, H. K. – Histórias Acontecidas e Outras Histórias. Proposta Editorial, 1988.
[3]
Nemi, A – Hospital São Paulo/SPDM: Atendimento à Saúde entre o Público e o
Privado nos Anos 70 do Século XX in Medicina Saúde e História: Textos
Escolhidos e Outros Ensaios. Coleção Medicina, Saúde e História. Organizado por
A. Mota e MGSMC Marinho. Casa das Soluções Editora, 2014, pg. 118.