Baseada em texto de Edgard de Cerqueira Falcão
Henrique da Rocha
Lima nasceu no Rio de Janeiro em 24 de novembro de 1879. Era filho de
conceituado clínico carioca. Diplomou-se em medicina no início de 1901, pela
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com a tese “Esplenomegalia nas
Infecções Agudas”. Foi dos primeiros a participarem das fileiras de Oswaldo
Cruz, passando a frequentar Manguinhos ainda quando aluno.
Mal egresso da
Faculdade, seguiu para a Alemanha, em viagem de aprimoramento técnico que durou
dois anos. Em Berlim frequentou o Instituto de Higiene, tomando lições de
microbiologia com Martin Ficker, e o Instituto de Patologia Rudolf Virchow,
especializando-se em Anatomia Patológica com Kaiserling e Orth. Bastante
enfronhado nesse dois ramos do saber, voltou ao Brasil, justamente quando
Oswaldo Cruz delineava em Manguinhos o plano da escola de medicina
experimental, destinada ao estudo dos grandes problemas sanitários brasileiros.
Ninguém em melhores condições para colaborar com Oswaldo nessa magnífica
empreitada do que ele. Assim, na nova organização foi-lhe confiado um dos dois
postos de chefe de serviço então criados, com o encargo de supervisionar e orientar
pesquisas e instituir cursos de aperfeiçoamento e especialização, que tiveram
grande sucesso.
Duas entidades
mórbidas mereceram de sua parte, nessa fase, particular atenção e estudo: o
carbúnculo sintomático, que dizimava os rebanhos brasileiros, e a febre
amarela, contra a qual encetara Oswaldo vigorosa campanha de extermínio no Rio
de Janeiro, baseada exclusivamente na perseguição ao inseto vetor, o Aedes egypti, na época denominado Stegomyia fasciata. Orientadas as
pesquisas no sentido da obtenção de um meio profilático contra o carbúnculo,
alcançou-se êxito, com a chamada vacina contra a peste da manqueira, em cujo
preparo se distinguiu Alcides Godoy. Estudando, por outro lado, as lesões do
fígado e do rim no curso do tifo icteroide, conseguiu Rocha Lima, por volta de
1905 e 1906, traçar o quadro característico delas, traduzido por extensa
necrose salpicada, predominante na zona intermédia, ao lado da esteatose, conspícua
nas células respeitadas pela necrose e verificada sobretudo nas zonas interna e
externa do lóbulo hepático. Tão constantes e patognomônicas se mostraram essas
alterações no acometimento pelo vírus amarílico, em comparação com lesões de
outros agentes, que vieram a constituir elementos definidores da doença,
conhecidos por sinal ou lesão de Rocha Lima. Mais adiante, em 1911 e 1914,
completando e ampliando semelhantes estudos na Alemanha, apresentou-os nesse
último ano, à Sociedade de Patologia da Alemanha, em Estrasburgo, não tendo,
porém, conseguido o apreço devido nessa altura. Só muito mais tarde, por
ocasião do surto de febre amarela de 1928 no Rio de Janeiro, veio a ter
integral confirmação o conceito anátomo-clínico da febre amarela, baseado nos
achados de Rocha Lima, por parte das meticulosas observações clínicas de Sinval
Lins, consagrando-se a pesquisa sistemática das lesões em apreço como exame de
rotina para esclarecimento diagnóstico post
mortem, mediante o emprego do viscerótomo de Décio Parreiras.
O prestígio
crescente de Rocha Lima nos meios científicos internacionais não o deixaria
permanecer por muito tempo em nosso meio. Duerck, ao assumir a cátedra da
Universidade de Iena, convidou-o então para o cargo de assistente-chefe do
Instituto Anátomo-Patológico desse estabelecimento. Aceitando o convite, Rocha
Lima retirou-se do Brasil em 1909. Foi de curta duração sua permanência em
Iena: oito meses. Foi atraído por outro grande centro alemão de pesquisas.
Prowazek, conhecedor de perto de suas qualidades, chamou-o para o Tropeninstitut de Hamburgo, onde se veio
a integrar de modo definitivo e duradouro. De 1910 a 1928, trabalhou a fio para
a instituição fundada por Bernhard Nocht no grande porto hanseático. Inúmeras
foram as facilidades de que se viu então cercado. Uma seção de patologia foi
especialmente criada para ele, dando-lhe campo para praticar novas e
empolgantes conquistas científicas.
Além das investigações
sobre as lesões hepáticas e renais da febre amarela, que lhe ocuparam a
atenção, de início, nesse novo ambiente de trabalho, propiciando margem a
publicações de elevado valor, no ano de 1912, também estudou na mesma
oportunidade a tripanossomose americana, estampando excelentes contribuições,
já de referência à evolução do parasita (Trypanosoma
cruzi) nos tecidos e no corpo dos artrópodos hospedeiros intermediários (Triatoma magista), já com relação à
patogênese das lesões orgânicas da protozoose que havia sido descoberta pelo
grande Carlos Chagas (outra expressão da Escola de Manguinhos), donde o nome de
“moléstia de Chagas”.
Num afã
verdadeiramente trepidante, teve ainda ocasião de praticar, ao mesmo tempo,
pesquisas histopatológicas sobre a verruga peruana ou doença de Carrion,
esclarecendo pontos obscuros no tocante à natureza e origem das lesões
características do mal e descrevendo a forma intracelular do agente causador.
As guerras
balcânicas ocorridas em 1912-1913, fazendo reacender focos adormecidos de tifo
exantemático, vieram desviar a atenção de Rocha Lima para outros centros onde
sua presença foi reclamada. Assim, no decorrer de 1914 firmou contrato com o
Governo de Hamburgo para ir estudar aquela grave enfermidade na Turquia, a
grassar no seio das tropas que voltavam do campo de batalha. Encontrava-se em
Constantinopla, em companhia de von Prowazek, procedendo a investigações sobre
a matéria, quando iniciou a Primeira Guerra Mundial, obrigando-o a regressar à
sede de sua instituição.
Novamente
comissionado em fins de 1914 pelo IX Exército Alemão para estudar a mortífera
epidemia de tifo exantemático, irrompida num campo de concentração de
prisioneiros russos, localizado em Kottbus, perto de Berlim, deslocou-se Rocha
Lima para essa pequena cidade, onde, também em companhia de Prowazek, iniciou
novos estudos sobre o assunto. Pouco depois contraíram ambos a doença,
falecendo Prowazek a 17 de fevereiro de 1915, e escapando com vida Rocha Lima,
muito alquebrado pela terrível infecção. Prosseguindo nessas pesquisas no
próprio Tropeninstitut de Hamburgo, e
mais tarde em Wloclawek (Polônia), veio, com Prowazek, a descobrir o germe
responsável pela doença, por ele apresentado ao Congresso de Patologia de
Guerra, reunindo em Berlim, em 26 e 27 de abril de 1916, dando-lhe a
denominação de Rickettsia prowazeki,
em homenagem aos dois mártires da ciência, Ricketts e Prowazek, sacrificados
pelo tifo exantemático, quando o investigavam. Com esses estudos, abriu Rocha
Lima novo capítulo no domínio da microbiologia, o das rickettsioses.
Além do tifo
exantemático, fez simultaneamente pesquisas em torno da febre recurrente e da
febre das trincheiras, apurando a causa desta última como sendo também mais uma
Rickttesia, por ele de igual modo
descoberta em 1917, a Rickettsia
pediculi.
Instituída em 1919
a Universidade de Hamburgo, passando a integrá-la o Tropeninstitut, foi Rocha Lima nomeado docente livre e, em seguida,
professor de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina. Sua aula inaugural,
proferida em 10 de janeiro de 1920, versou sobre “Clamidozoários”, assunto
acerca do qual esboçara a publicação de um livro, de parceria com Prowazek prejudicado
pelo desaparecimento inesperado deste último.
Duas vezes veio
Rocha Lima ao Brasil durante o período em que se fixara em Hamburgo: no ano de
1920, a convite do Governo do Estado de São Paulo para assumir a direção do
Instituto Butantã, o que não se concretizou, e, em 1928, para colaborar num
curso ministrado no Rio de Janeiro, a cargo do Prof. Jakob. Dessa última feita,
segundo convite daquele mesmo governo, a fim de chefiar a Divisão de Patologia
Animal do Instituto Biológico (que Arthur Neiva, outro membro do grupo de
Manguinhos, estava organizando em São Paulo), fez com que permanecesse
definitivamente em nosso meio.
No Biológico, a
cuja direção geral ascendeu em 1933, e nela se manteve até 1949, imprimiu Rocha
Lima o mesmo sistema adotado em Manguinhos, no começo do século. Tratou de
formar pesquisadores em esclarecer problemas ligados aos interesses dos meios
rurais, no domínio da patologia animal e vegetal. Orientador, sobretudo, de
tais estudos, pouco tempo lhe sobrava para dedicar-se a novas investigações.
Isso não obstante, teve oportunidade de colaborar com J. Reis e K.
Silberschmidt na redação de importante capítulo sobre virologia para o famoso
Tratado de Abderhalden sobre métodos de laboratório.
Em três fases
distintas pode-se dividir a brilhante carreira científica de Rocha Lima: 1- de
1903 a 1909, quando trabalhou ao lado de Oswaldo, ajudando-o a organizar
Manguinhos; 2 – de 1910 a 1928, a serviço da Tropeninstitut de Hamburgo, na Alemanha; 3 – de 1928 a 1949,
integrando e chefiando a Divisão de Patologia Animal do Instituto Biológico de
São Paulo, a princípio, e, a partir de 1933, na direção geral do estabelecimento.
Foi nessa época que assinou o memorável manifesto de fundação da Escola
Paulista de Medicina inaugurando os seus cursos de Anatomia Patológica cuja
responsabilidade logo transferiu para Juvenal Ricardo Meyer, renomado
especialista do Instituto Biológico.
Honrarias
múltiplas, sobretudo na Alemanha, não faltaram para galardoar os méritos
altíssimos de Rocha Lima. Condecorado com a Cruz de Ferro, pelo Imperador
Guilherme II, por iminente perigo de vida em prol da Ciência, várias outras
insígnias gloriosas lhe foram colocadas ao peito. Todavia, a que mais perto lhe
deve ter tocado o coração foi, sem dúvida, a Medalha Bernhard Nocht, outorgada
em 1921 pelo Tropeninstitut de
Hamburgo, prêmio internacional a que mais três ilustres brasileiros vieram a fazer
jus.
Fonte bibliográfica: "Henrique da Rocha Lima", por Edgard de Cerqueira Falcão in A Escola Paulista de Medicina - Dados Comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes. Por José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 86-91.
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