sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Biografia do Prof. Dr. Afrânio do Amaral


Baseada em texto de Paulo Mangabeira Albernaz

     Afrânio do Amaral nasceu em 1º de dezembro de 1894, em Belém do Pará, onde fez o curso primário. Mudou-se para Salvador, onde cursou o Ginásio da Bahia, recebendo o título de Bacharel em Ciências e Letras, após curso brilhante, aprovado com distinção em 1910. Antes de diplomado já dava cursos de Latim e Grego.
     Em 1911, entrou na Faculdade de Medicina da Bahia, onde colou grau em 1916, quando sua tese sobre filariose recebeu o Prêmio Alfredo Brito. Aluno laureado, tem seu retrato no Panteão daquela Faculdade. Recebeu o Prêmio de viagem para especialização no exterior, com a incumbência recebida pela Faculdade de estudar quatro temas: vitaminas; soro-reações diagnósticas de sífilis; ensino de Fisiologia e Medicina Experimental nos Estados Unidos; sistema universitário na Europa e América do Norte. Os resultados seriam aplicados em nosso meio.
     Durante o curso de Doutorado em Medicina e Cirurgia, já eram evidentes suas qualidades de líder, e assim foi presidente da Beneficência Acadêmica, quando a seu convite, fez parte da Diretoria, como secretário da mesma, o Prof. Dr. Paulo Mangabeira Albernaz, em cujo texto embasamos esta biografia.
    Logo que terminou o curso, Dr. Amaral transferiu sua residência para São Paulo. Em vez de dedicar-se à prática clínica, em sendo cirurgião que tinha sido interno de confiança do Prof. Antonio Borja, preferiu concorrer a uma vaga no Instituto Butantã, em fase de expansão. Passou a frequentar o Instituto, trabalhando sob a orientação de Vital Brazil, Florêncio Gomes e Artur Neiva. Aí começou sua verdadeira vida científica, dando início a trabalhos experimentais e clínicos importantes.
     Em 1917, iniciou a carreira como médico auxiliar, passando a sub-assistente em 1918, assistente e assistente-chefe (Seção de Ofiologia e Zoologia Médica em 1919). Com a aposentadoria de Vital Brazil, foi comissionado no cargo de diretor em 1921. Em 1919-1921 coordenou a primeira reorganização do Instituto, dando início, como editor, à publicação das “Memórias” e dos “Anexos das Memórias” reservados a trabalhos originais de sua autoria sobre ofidismo.
     Após receber, em 1921, do Governo Federal o “prêmio de viagem ao exterior”, foi à Europa, ao Canadá e aos Estados Unidos, onde permaneceu por perto de três anos, dedicando-se a estudos de aperfeiçoamento em vários laboratórios universitários e institutos científicos, atento ao temário que lhe fora confiado pela Faculdade da Bahia. Tendo ainda obtido uma bolsa de estudos concedida pelo Conselho Internacional de Saúde, prolongou sua estada fora do país, inscrevendo-se na nova Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Universidade de Harvard, em colaboração com o Instituto Tecnológico de Cambridge, sempre trabalhando 14 horas por dia, o que lhe permitiu publicar em inglês 16 estudos nesse período. Recebeu ao final a aprovação por distinção com louvor em defesa  de tese, conquistando o duplo diploma de doutor em Saúde Pública e Medicina Tropical.
     Em fins de 1925, foi convidado pela Universidade de Harvard a fazer parte de seu corpo docente, recebendo então a incumbência de organizar e dirigir os serviços anti-ofídicos. De regresso a São Paulo em 1928, deixou fundado o “Antivenin Institute of America” com laboratórios em Harvard e em outras instituições, além de estações em diversas localidades do país e da América Central. Os méritos destes trabalhos foram de tal destaque que lhe foi conferido o afamado “Prêmio John Scott” pela Academia de Ciências e pelo Conselho Municipal de Filadélfia.
     Foi chamado pelo governo do Estado de São Paulo para organizar o Instituto Butantã em 1928. Passou depois a superintendente e, afinal, a diretor técnico científico.
     Ao atualizar o Instituto, tratou de transformá-lo no primeiro Centro de Medicina Experimental na América Latina, com os respectivos laboratórios.
     Posta em marcha esta modificação, voltou aos Estados Unidos para ministrar, na Universidade de Harvard, seu curso de aperfeiçoamento, após o qual partiu para a Europa, onde contratou um grupo de cientistas para auxiliá-lo no Butantã, juntamente como colegas brasileiros da nova geração.
     Pouco depois do seu retorno, foi chamado a tomar parte nas comissões de introdução do sistema universitário em nosso meio e de planejamento da Cidade Universitária na “fazenda” do Butantã.
     Em 1933, foi chamado para fazer parte do grupo fundador da Escola Paulista de Medicina. Teve parte ativa nessa fase de organização. Coube-lhe a tarefa de organizar o Regimento Interno e foi-lhe indicada a Cátedra de Higiene.
     Em 1934-1936, dedicou-se à reorganização e restauração da Cruz Vermelha e à reabertura do Hospital de Crianças.
     A seguir, tratou do aperfeiçoamento e padronização internacional dos produtos biológicos a cargo da organização internacional que mais tarde viria a ser a Organização Mundial de Saúde, o Comitê de Higiene da Liga das Nações, onde, a convite, passou a exercer o cargo de consultor científico.
     Em 1935, indicado pela Universidade de Harvard e pela Smithsonian Institution, foi, pelo plenário do XII Congresso Internacional de Zoologia (reunido em Lisboa), eleito membro da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica (para representar os especialistas de Língua Portuguesa), passando a membro da Diretoria em 1948 (XIII Congresso, em Paris) e membro do Conselho em 1963 (XV Congresso em Washington).
     Como cientista de renome internacional, foi colaborador de vários tratados e enciclopédias, tais como: Nelson – Loose Leaf Medicine, Cecil e Loeb; A Textbook of Medicine, Jordan e Falk; The Newer Knowledge of Bacteriology and Immunology, Brennemann e Kelly; Practice of Pediatrics, Piersol e Sejous; Encyclopedia of Medicine, Gradwohl e outros; Clinical Tropical Medicine, Altman e Dittmer; Biological Data Book, Coon; Current Therapy, etc.
     Baseado nos estudos que fez em 1922, orientado pelo Prof. E. V. McCollum (Universidade Johns Hopkins), sobre Química da Nutrição, praticou a tecnologia da soja e aproveitamento de seus aminoácidos na alimentação popular, assunto de que se fez pioneiro em nosso meio. Como coroamento dessa nova atividade, recebeu o “Prêmio Nacional da Alimentação” de 1950. Em sua oração de agradecimento perante o Ministério do Trabalho, tratou de sintetizar os aspectos técnico-científicos a par dos econômico-comerciais de tão complexo problema. Nesse período surgiu como pioneiro no consumo de frutas nas refeições dos brasileiros, bem como promotor da desidratação dos alimentos.
     Seus inúmeros trabalhos científicos se caracterizavam pela originalidade; por exemplo, em 1921, estudando os ofídios do Brasil, descreveu quatro novas espécies.
     Dotado de cultura humanística invulgar, profundo conhecedor do Latim e do Grego, dedicou-se à linguagem médica, tendo publicado inúmeros trabalhos, entre os mais documentados do ponto de vista filológico, publicados em língua portuguesa.
     Portanto, publicou sobre os mais variados assuntos, mas principalmente sobre ofidiologia e nomenclatura científica (principalmente médica), com 447 trabalhos.
     Figurando entre os fundadores da Escola Paulista de Medicina, foi um dos mais ativos e eficientes trabalhadores da primeira época. Em 27 de junho de 1933 foi escolhido para reger a Cátedra de Higiene. Quando o Diretor, Prof. Octavio de Carvalho, entrou em negociações para adquirir um novo prédio para a Instituição, ele fez parte da Comissão encarregada de estudar o problema. No entanto, a 5 de março de 1934, por diferenças com os demais fundadores, pediu demissão da Escola Paulista de Medicina. Continuou, porém, como membro efetivo da Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, prestando valiosos serviços.
     Foi membro de diversas sociedades científicas e sociedades literárias e filológicas nacionais e internacionais, tendo sido editor da Folha Filológica. Também foi Membro Titular da Academia Paulista de Letras e Diretor da Seção de Lexicografia.
     O Prof. Afrânio do Amaral faleceu na cidade de São Paulo, no ano de 1982.

Fonte bibliográfica: Albernaz, P. M. – Afrânio do Amaral in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes. José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, páginas 11 a 15.