Este texto sobre
Octavio de Carvalho foi escrito pelo Prof. Dr. Jair Xavier Guimarães, aluno da
primeira turma da Escola Paulista de Medicina em 1933, texto esse para o livro comemorativo
dos 40 anos da EPM. Assim, o Prof. Jair escreveu uma biografia com bastante
ênfase no papel crucial do Prof. Dr. Octavio de Carvalho na fundação da Escola
Paulista de Medicina e não tanto em outros aspectos da vida deste. Este texto
também vale pelo testemunho pessoal do Prof. Jair, já que os alunos da primeira
turma da EPM podem ser considerados “cofundadores” da Escola.
Octavio de Carvalho
Fundador da Escola Paulista de Medicina
(1891-1973)
Por Jair Xavier Guimarães (publicação de 1977)
O ano de 1933
encontrara o povo de São Paulo profundamente insatisfeito e inconformado com o
desfecho da Revolução Constitucionalista. Ainda conservamos intactas as
recordações daqueles quatro meses de 1932, vividos e sobrevividos pelo milagre
da união em torno de um ideal. Restauração da liberdade democrática, sob a
égide de uma Constituição que realmente unisse os brasileiros e os proclamasse
iguais perante a Lei, usufruindo dos
mesmos direitos e cumprindo os mesmos deveres. Estavam completamente enganados
os que julgavam ter aquebrantado nossa fé e minado nossa esperança. O ânimo dos
paulistas sobrevivera inquebrantável. Retornamos ao trabalho honesto e
produtivo. Todos: os paulistas que aqui nasceram; os imigrantes que aqui encontraram
sua terra e construíram seu lar; os irmãos brasileiros de outros Estados que
ombro a ombro colocavam o seu tijolo, ajudando a erigir o edifício da Pátria
comum. Tínhamos ainda muito que construir. Sem ódio ou ressentimento que nada
constroem, mas com muito amor e trabalho perseverante.
Havia, por
exemplo, muito por fazer no campo da educação médica e da assistência
médico-hospitalar. A única Escola Médica existente em São Paulo, oficial,
oferecia exíguo número de vagas em relação à demanda dos jovens capazes e
ávidos de estudar medicina. Milhares de moços se deslocavam anualmente e, longe
de seus lares, iam estudar no Rio de Janeiro, Curitiba, Recife e Salvador.
Outros, menos afortunados, eram obrigados a desistir. A carência de leitos
hospitalares para indigentes constituía outro aflitivo problema social.
Estes problemas,
naturalmente, constituíam preocupação mais constante de um grupo de médicos
paulistas categorizados pelo seu conceito profissional e já encaminhados na
carreira do magistério superior. Quis o determinismo histórico que, dentre
eles, um se destacasse pelos seus autênticos atributos de líder: Octavio de Carvalho.
Ainda moço. Mas já
tendo alcançado êxito em sua atividade profissional particular, bem situado no
exercício da Clínica Médica de São Paulo, trazia excelente lastro de
aprendizado e experiência médica e de ensino, pois estagiara nos melhores
centros médicos científicos da época: Estados Unidos, França, Inglaterra,
Alemanha e Áustria. Dedicara seis anos e meio de sua vida na realização desses
estágios.
Em fevereiro de
1933, teve ciência de que 119 moços haviam prestado exame vestibular na
Faculdade de Medicina de São Paulo e, embora aprovados, não haviam conseguido
vaga. Estavam condenados a aguardar mais um ano para nova tentativa ou tentar a
sorte em outras paragens. A acuidade mental de Octavio de Carvalho determinou
que era chegada a hora da realização do sonho há tanto tempo acalentado. Era
imperioso por à prova seus atributos de líder. E ele o fez. Reuniu colegas e os
convenceu pela argumentação e pelo entusiasmo. Conseguiu aglutinar a elite da
geração moça de médicos de São Paulo. O tempo viria comprovar este fato.
De outro lado,
convocou os 119 moços que se encontravam na aflitiva situação já referida. Sou
testemunha viva daquelas memoráveis reuniões realizadas no Trianon, da Avenida
Paulista. A exposição que ele fazia da situação e dos fatos era franca, honesta
e convincente. Assumimos com ele um pacto de honra. Cada um de nós passou a ser
seu soldado, na luta pela nobre causa. Amadurecida a ideia, urgia pô-la em
prática. Octavio de Carvalho já conseguira excelente Corpo Docente e contava
com a adesão e o compromisso dos futuros alunos. O prédio para o funcionamento
adequado da nova Escola foi alugado – Rua Oscar Porto, no bairro do Paraíso. O
exame vestibular, tão rigoroso quanto o da Faculdade oficial, foi realizado e
assim selecionados 83 moços que iriam constituir a 1ª turma. E a Escola foi
batizada: Escola Paulista de Medicina.
A 1º de junho de
1933, os fundadores da nova Escola se congregam em Sociedade Civil de fim não
lucrativo e comunicam ao povo de São Paulo, através de memorável Manifesto sua
decisão e sua firmeza de propósitos.
Octavio de
Carvalho foi eleito pelos seus pares para o primeiro Diretor da nóvel
Instituição. E, aí começou o ingente esforço para implantação e sobrevivência
desta tão ousada iniciativa. Obstáculos de toda ordem se antepunham –
incredulidade de muitos, resistência de outros, dificuldades econômicas para
manutenção de pessoal e aquisição de equipamento indispensável; a tenacidade de
Octavio de Carvalho enfrentava e vencia a tudo e a todos. Cada dificuldade constituía
um estímulo à sua vontade de lutar, afinal era por um ideal que estava lutando.
Dois anos após,
valendo-se de financiamento da Caixa Econômica Federal de São Paulo, foi
adquirido o imóvel e terreno para a sede definitiva da Escola, propiciando
inclusive área para construção do Hospital de ensino. Aos 30 de setembro de
1936 era lançada a estaca fundamental do Hospital São Paulo. Essa conquista foi
possível graças às gestões e o prestígio de Octavio de Carvalho junto ao
presidente da Caixa Econômica Federal, Dr. Samuel Ribeiro.
E outros
empreendimentos e outras vitórias, a tenacidade e o idealismo de Octavio de
Carvalho conquistaram: a cessão das Enfermarias do Hospital Humberto Primo para
o ensino da Propedêutica Médica, a construção do Pavilhão Maria Teresa Nogueira
de Azevedo – sede provisória do Hospital São Paulo, o concurso do eminente
professor alemão Walter Büngeler para ensinar Anatomia Patológica, a concessão
das amostras de café feita pelo Departamento Nacional do Café com apreciável
renda para o Hospital São Paulo e, finalmente, o reconhecimento oficial da
Escola pelo Conselho Federal de Educação em 1938. Em fevereiro deste ano deixou
a direção da Escola, continuando, desde então, a exercer as atribuições da
Cátedra da 1ª Clínica Médica, até 9 de julho de 1961, data da sua aposentadoria
compulsória.
Em 22 de setembro
de 1961, a Congregação resolveu prestar uma homenagem a Octavio de Carvalho,
inaugurando um monumento erigido no Pátio Interno da Escola. De acordo com
manifestação do Prof. Marcos Lindenberg, Diretor àquela época, esta iniciativa
foi tomada “reconhecendo o serviço relevantíssimo à coletividade, por motivo do
afastamento que a lei lhe impôs, no trabalho desta casa, que ele idealizou,
fundou e amou”.
Octavio de
Carvalho nasceu aos 9 de julho de 1891, filho do Dr. Theodoro Dias de Carvalho
Junior e de Da. Zulmira de Carvalho e diplomou-se pela Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, em 1915, após curso brilhante em que se destacou como um dos
melhores alunos de sua turma. Depois de estágios de aperfeiçoamento na América
do Norte e na Europa regressou a São Paulo, sua terra natal, onde, especialista
em Clínica Médica, inicia as suas atividades profissionais. Aposentado, passa a
residir no Rio de Janeiro, onde faleceu a 25 de julho de 1973.
Octavio de
Carvalho, Homem, Médico e Professor – Líder de uma geração. Mais do que uma
palavra ou do que todas as palavras, a verdade é que a Obra que ele idealizou,
fundou e amou aí está – firme, imperecível, plena de frutos.
A ele o
reconhecimento e a gratidão de todos quantos viveram ou vivem sob o teto da
Escola Paulista de Medicina.
Fonte bibliográfica: Guimarães, Jair Xavier – Octavio de
Carvalho: fundador da Escola Paulista de Medicina in A Escola Paulista de Medicina – dados comemorativos de seu 40º
aniversário (1933-1973) e anotações recentes. José Ribeiro do Valle. Empresa
Gráfica da Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, pag. 125-129.
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