Baseada em texto do Prof. Dr. Octavio Ribeiro Ratto
Este texto do Professor
Octavio Ribeiro (com alguns poucos acréscimos explicativos), além dos dados
biográficos propriamente ditos, expressa também como os seguidores de Jairo
Ramos o admiravam.
Jairo de Almeida
Ramos nasceu em 24 de abril de 1900, em Marquês de Valença, descendendo de
tradicional família do Estado do Rio de Janeiro. Com poucos anos de idade veio
com sua família para o Estado de São Paulo, inicialmente morando em Avaré, e
posteriormente na Capital. Na cidade de São Paulo fez o seu curso secundário no
Ginásio do Estado, matriculando-se a seguir na então denominada Faculdade de Medicina
e Cirurgia de São Paulo, onde se diplomou em 1923.
Não é fácil
sumarizar uma vida tão intensamente vivida como a do Professor Ramos. Ele foi
educador, líder de classe, médico por excelência, chefe de família exemplar,
pai dedicado e amigo sincero. Lutou durante toda a sua existência pelo bem
coletivo, empenhando-se profundamente no desempenho das tarefas que lhe foram
confiadas. Nunca se envaideceu das honrarias recebidas, sabendo sempre suportar
o sofrimento com humildade e resignação. A ambição não foi a sua meta, tendo
pautado a sua vida pelo amor ao trabalho e pelo culto à verdade.
Nos últimos anos
do curso médico ligou-se à 2ª Medicina de Homens da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo, onde funcionava o Serviço de Rubião Meira, trabalhando sob a
orientação de Lemos Torres. Nesta enfermaria, que se tornou célebre pelo número
de mestres que produziu, começou a formar o seu tirocínio clínico, com grandes
sacrifícios de ordem pessoal, já que durante todo o tempo de estudante teve
necessidade de trabalhar para prover a sua existência e ajudar a de seus
familiares. Uma vez graduado defendeu tese de doutoramento (nessa ocasião todo
formando era obrigado a fazer essa tese que era similar a um trabalho de
conclusão de curso), escolhendo como assunto a propedêutica dos derrames
pleurais. Na 2ª Medicina de Homens, diariamente, pela manhã, ia adentrando os
campos mais variados da medicina interna, com interesse mais particular pela
cardiologia. Ao final da tarde voltava à enfermaria, onde ministrava cursos
particulares de semiologia para pequenos grupos de alunos.
Trabalhando com
afinco, em poucos anos de profissão, tornou-se respeitado pelo apuro com que
inquiria os doentes, pelo virtuosismo de sua propedêutica, pelo raciocínio lógico
que utilizava na discussão de casos, pela vontade obstinada em transmitir os
conhecimentos adquiridos. Ao lado de intensa atividade clínica e didática,
ainda lhe sobrava tempo para a investigação clínica e experimental, como bem
demonstra o excelente trabalho feito em colaboração com Oria, no qual estuda os
plexos nervosos do coração no megaesôfago.
Com o seu espírito
de devotamento às grandes causas, participou da fundação da Associação Paulista
de Medicina, em 1930, e do Movimento Constitucionalista de 1932.
Em 1933,
juntamente com uma plêiade de jovens entusiastas, engaja-se de corpo e alma, na
fundação da Escola Paulista de Medicina, instituição que foi a menina de seus
olhos e da qual nunca mais de afastou até a morte.
Com Alípio Corrêa
Netto escreveu um manual de propedêutica do abdome, e logo após, em 1935, o
livro “Lições de Eletrocardiografia”. Neste mesmo ano presta concurso de livre
docência na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Dotado de invulgar
espírito de curiosidade realizou investigações clínicas no terreno da
cardiologia, pneumologia, gastroenterologia, nefrologia, hematologia e
moléstias infecciosas, fruto de paciente pesquisa e análise de abundante
material que manuseou trabalhando na 2ª Medicina de Homens, no Hospital São
Paulo, na Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo e no Hospital de Tuberculose São Luiz Gonzaga, de Jaçanã.
O seu interesse
não ficou só na medicina, voltou-se também para os médicos e, assim, em 1939,
assume a Presidência da então Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo,
hoje Academia de Medicina de São Paulo. De 1945 a 1952 e de 1955 a 1956,
dirigiu os destinos da Associação Paulista de Medicina.
Na Associação
Paulista de Medicina trabalhou arduamente, transformando a organização que era
limitada à Capital, em poderosa e harmônica entidade de âmbito estadual.
Conseguiu a doação do terreno e a seguir o financiamento para a construção da
sede da Associação, inaugurada sob a sua presidência em 1952.
O alargamento dos
horizontes da Associação Paulista de Medicina ensejou a criação da Associação
Médica Brasileira, na qual a sua participação foi marcante e decisiva.
Emprestou apoio,
colaborou ativamente, foi membro ou dirigiu a Sociedade Brasileira de
Cardiologia, os Arquivos Brasileiros de Cardiologia, o Conselho Regional de
Medicina, o Conselho Federal de Medicina, a Associação Paulista de Hospitais, a
Associação Médica Brasileira, e tantos outros organismos que seria fastidioso
enumerar.
A vida de Jairo
Ramos se confunde com a da própria Escola Paulista de Medicina. A esta casa,
que idolatrava, deu o melhor de si. Conheci-o aqui, em 1939 (palavras do
professor Ratto). Ao relacionamento professor-aluno associou-se profunda
amizade, o que me permitiu convívio íntimo e continuado durante 33 anos, com
esta figura singular que nos recônditos de sua alma era todo bondade, amizade,
afeto e dedicação. Com a sua convivência percebi logo as suas três grandes
preocupações: o lar, a Escola Paulista de Medicina, os médicos.
Foi professor de
Propedêutica, dirigindo pequena enfermaria, a princípio no Pavilhão Maria
Tereza, depois no Hospital São Paulo, primeiro hospital de clínicas do Brasil.
Com número reduzido de leitos e com modesto laboratório anexo, conseguia dar um
curso dos melhores para a época. Criador de escola foi preparando um grupo de
assistentes sempre crescente, para muitos dos quais conseguia bolsas de estudo
no exterior, com a finalidade de se aprimorarem em campos específicos. Em 1951,
contando com pessoal especializado em número suficiente, defendeu a ideia
plenamente acatada pela Congregação da Escola Paulista de Medicina da
instalação do Departamento de Medicina, do qual foi seu Diretor até 31 de
dezembro de 1965.
Com a criação do
Departamento procedeu a inúmeras modificações no ensino, aprimorando o
aprendizado, como o noviciado, os seminários, a enfermaria geral, as reuniões
clínico-patológicas e anátomo-propedêuticas.
Na Escola não se
plantou cômoda e egoisticamente no seu Departamento, foi mais adiante. Sempre
alerta, batalhou, incentivou, ajudou e prestigiou toda e qualquer iniciativa
que trouxesse melhoria ao padrão de serviços que a instituição presta à
coletividade. Assim aconteceu quando do auxílio da Fundação Rockfeller, na
modificação do exame vestibular, de que acabou resultando o CESCEM, na criação
do Departamento de Medicina Preventiva. Além de professor, pertenceu,
praticamente a todos os conselhos e comissões da Escola, foi seu Diretor e Presidente
da Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, sociedade mantenedora
do Hospital São Paulo.
Aos 31 de dezembro
de 1965, mal saído de grave doença, é aposentado compulsoriamente pela entrada
em vigor do Estatuto do Magistério Superior Federal. A recondução que era
permitida por lei não ocorreu. Jairo Ramos nunca se conformou com o acontecido
e guardou consigo essa mágoa, porém não deixou de frequentar e amar a Escola
até sua morte ocorrida em 27 de setembro de 1972.
Jairo Ramos foi
homem dotado de personalidade marcante e por isso, muitas vezes, não foi muito
bem compreendido. Passou pela vida terrena com a predestinação de servir e
servir bem. Atingiu a eternidade com a paz de espírito que é o privilégio
daqueles que bem cumpriram o seu dever e sua missão.
Referência bibliográfica: Ratto, O. R. - "Jairo de Almeida Ramos" in A Escola Paulista de Medicina - dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, pgs. 92 a 95, 1977.
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