O Prof. Carlos da Silva
Lacaz (1915-2002) publicou diversos textos no jornal Folha de São Paulo, por
vários anos. Ele formou-se em 1940 pela FMUSP. Foi Professor Catedrático de
Microbiologia e Imunologia da FMUSP, Professor Titular do Departamento de Medicina
Tropical e Dermatologia da FMUSP. Fundador e Diretor do Instituto de Medicina
Tropical de São Paulo, além de outros tantos títulos. Também se dedicou à
Historiografia Médica.
Em 1976, por ocasião da
publicação do livro “Semiotécnica da Observação Clínica”, da autoria do Prof.
José Ramos Junior, o Prof. Carlos da Silva Lacaz publicou o texto a seguir no
jornal Folha de São Paulo, com algumas características próprias da época e outras que têm atualidade.
Francisco de
Castro, o grande clínico brasileiro, que escreveu também as mais belas páginas
de filosofia médica, advertia no seu Tratado de Propedêutica do “modus faciendi”
do exame do doente, referindo que nessa exploração, executada segundo regras
idôneas, residia o segredo do seu êxito e a condição da sua prestabilidade.
Mediante a
observação dos processos investigativos, dos seus requisitos essenciais, das
suas formalidades impreteríveis, amiúde alcança o clínico ver o invisível e
palpar o insondável. É certo que entra nessa operação analítica, um pouco de
aptidão ingênita do observador, um pouco desse produto do inconsciente que
todos trazemos com a mais sólida camada da nossa organização psicológica. Numa
época da nossa profissão em que o exame cuidadoso do doente está sendo relegado
para um plano secundário, absorvidos os médicos de hoje com dezenas de exames
laboratoriais, alguns de interpretação ainda discutida, é suavemente bom e
agradável a leitura de um grande livro de Semiótica e que acaba de ser
publicado pelo Prof. José Ramos Junior. Conheci o ilustre colega quando ainda
acadêmico, na velha Santa Casa de São Paulo, orientado pelo seu mestre Prof.
Jairo Ramos, no Serviço do Prof. Rubião Meira, de saudosa memória. Naquela
época, o exame do doente era praticado com cuidados extremos, contando o médico
com os poucos recursos laboratoriais da época. Mas, assim mesmo, a Medicina
Paulista conheceu e viveu um período de real esplendor e progresso. A arte de examinar
o doente foi sempre coisa sagrada na velha enfermaria do Prof. Rubião Meira. E,
por isso, daquele Serviço saíram grandes expressões da nossa medicina, homens
de trabalho e de disciplina, que se projetaram de modo definitivo no cenário da
nossa profissão.
José Ramos Junior
tem sido, entre nós, um dos grandes cultores da observação clínica, mostrando
que todo e qualquer exame subsidiário, ou seja, aquele que decorre da chamada
propedêutica armada, é o será sempre, orientado e solicitado pelo raciocínio
resultante da análise dos elementos propedêuticos fornecidos pela interpretação
fisiopatológica dos sintomas e dos sinais. É lógico que essa análise interpretativa
depende dos conhecimentos de fisiopatologia e de semiotécnica rigorosamente bem
executada e que, quanto mais completa e minuciosa, maiores serão os elementos
para os diagnósticos funcionais, anatômicos e etiopatológicos, bem como para o
prognóstico e, principalmente para a conduta terapêutica adequada, formulada em
bases científicas e seguras.
Com a
responsabilidade de professor, José Ramos Junior destacou no prefácio de seu
belo trabalho – dois volumes publicados graças à benemerência do Fundo
Editorial Procienx – os erros e os vícios que se vêm cometendo principalmente
nos chamados institutos de previdência e outros semelhantes, onde muitas vezes
os pacientes são tratados por números, não se estabelecendo como seria
altamente recomendado um elo de simpatia entre o médico e o doente, elemento
fundamental para o reatar de novas esperanças.
Assim, as
anamneses são compostas em estilo telegráfico, muitas vezes com um exame físico
sumário e falho, porque o que se deseja nesses institutos é o número de
consultas e não a sua qualidade.
A massificação da
assistência médica está transformando as observações clínicas em prontuários
frios e inexpressivos, sem uma sequência inteligente dos seus acontecimentos,
dos seus sintomas, do reconhecimento e da personalidade dos pacientes. Por sua
vez, muitos colegas se impacientam com este tipo de atividade, tratando os seus
doentes sem a merecida e necessária afetividade. Destaca ainda o Prof. José
Ramos Junior, nesse verdadeiro Tratado de Propedêutica, ricamente ilustrado e
nascido à beira do leito do enfermo, os erros do profissional quando examina um
paciente, traduzidos muitas vezes pela ostentação, pelo desprezo e até pela
falta de caridade, ou seja, com a crueldade dos prognósticos infaustos ditos
face a face, revelando a ostentação de quem quer demonstrar a sua “sabedoria”
ou superioridade.
Este é um livro
rico de ensinamentos que deverá estar na cabeceira de todo o estudante de
Medicina que precisa aprender sua profissão no sentido integral e assim
exercê-la.
A observação
clínica bem realizada, adequadamente composta pela semiotécnica, é a base
fundamental dos diagnósticos anatômicos, funcionais e etiológicos e,
consequentemente, de um racional e científico planejamento terapêutico.
Bem haja o Prof.
José Ramos Júnior pela publicação desse oportuno livro que irá exercer fecunda
influência em todo o jovem que se prepara para cumprir a mais bela e mais
humana de todas as profissões. O trabalho em foco demonstra que, muitas vezes,
um exame clínico cuidadoso, sem qualquer exame laboratorial, possibilita ao
clínico ver o invisível e palpar o insondável, na expressão do consagrado
Francisco de Castro. A Medicina brasileira está de parabéns.
Fonte bibliográfica:
Lacaz, Carlos da Silva – Temas de Medicina – Biografias,
Doenças e Problemas Sociais. Lemos Editorial, 1997, págs. 242-243.
Excelente
ResponderExcluirObrigado, Débora!
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