quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Biografia de Jairo Ramos


Baseada em texto do Prof. Dr. Octavio Ribeiro Ratto

Este texto do Professor Octavio Ribeiro (com alguns poucos acréscimos explicativos), além dos dados biográficos propriamente ditos, expressa também como os seguidores de Jairo Ramos o admiravam.

     Jairo de Almeida Ramos nasceu em 24 de abril de 1900, em Marquês de Valença, descendendo de tradicional família do Estado do Rio de Janeiro. Com poucos anos de idade veio com sua família para o Estado de São Paulo, inicialmente morando em Avaré, e posteriormente na Capital. Na cidade de São Paulo fez o seu curso secundário no Ginásio do Estado, matriculando-se a seguir na então denominada Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, onde se diplomou em 1923.
     Não é fácil sumarizar uma vida tão intensamente vivida como a do Professor Ramos. Ele foi educador, líder de classe, médico por excelência, chefe de família exemplar, pai dedicado e amigo sincero. Lutou durante toda a sua existência pelo bem coletivo, empenhando-se profundamente no desempenho das tarefas que lhe foram confiadas. Nunca se envaideceu das honrarias recebidas, sabendo sempre suportar o sofrimento com humildade e resignação. A ambição não foi a sua meta, tendo pautado a sua vida pelo amor ao trabalho e pelo culto à verdade.
     Nos últimos anos do curso médico ligou-se à 2ª Medicina de Homens da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde funcionava o Serviço de Rubião Meira, trabalhando sob a orientação de Lemos Torres. Nesta enfermaria, que se tornou célebre pelo número de mestres que produziu, começou a formar o seu tirocínio clínico, com grandes sacrifícios de ordem pessoal, já que durante todo o tempo de estudante teve necessidade de trabalhar para prover a sua existência e ajudar a de seus familiares. Uma vez graduado defendeu tese de doutoramento (nessa ocasião todo formando era obrigado a fazer essa tese que era similar a um trabalho de conclusão de curso), escolhendo como assunto a propedêutica dos derrames pleurais. Na 2ª Medicina de Homens, diariamente, pela manhã, ia adentrando os campos mais variados da medicina interna, com interesse mais particular pela cardiologia. Ao final da tarde voltava à enfermaria, onde ministrava cursos particulares de semiologia para pequenos grupos de alunos.
     Trabalhando com afinco, em poucos anos de profissão, tornou-se respeitado pelo apuro com que inquiria os doentes, pelo virtuosismo de sua propedêutica, pelo raciocínio lógico que utilizava na discussão de casos, pela vontade obstinada em transmitir os conhecimentos adquiridos. Ao lado de intensa atividade clínica e didática, ainda lhe sobrava tempo para a investigação clínica e experimental, como bem demonstra o excelente trabalho feito em colaboração com Oria, no qual estuda os plexos nervosos do coração no megaesôfago.
     Com o seu espírito de devotamento às grandes causas, participou da fundação da Associação Paulista de Medicina, em 1930, e do Movimento Constitucionalista de 1932.
     Em 1933, juntamente com uma plêiade de jovens entusiastas, engaja-se de corpo e alma, na fundação da Escola Paulista de Medicina, instituição que foi a menina de seus olhos e da qual nunca mais de afastou até a morte.
     Com Alípio Corrêa Netto escreveu um manual de propedêutica do abdome, e logo após, em 1935, o livro “Lições de Eletrocardiografia”. Neste mesmo ano presta concurso de livre docência na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
     Dotado de invulgar espírito de curiosidade realizou investigações clínicas no terreno da cardiologia, pneumologia, gastroenterologia, nefrologia, hematologia e moléstias infecciosas, fruto de paciente pesquisa e análise de abundante material que manuseou trabalhando na 2ª Medicina de Homens, no Hospital São Paulo, na Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e no Hospital de Tuberculose São Luiz Gonzaga, de Jaçanã.
     O seu interesse não ficou só na medicina, voltou-se também para os médicos e, assim, em 1939, assume a Presidência da então Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje Academia de Medicina de São Paulo. De 1945 a 1952 e de 1955 a 1956, dirigiu os destinos da Associação Paulista de Medicina.
     Na Associação Paulista de Medicina trabalhou arduamente, transformando a organização que era limitada à Capital, em poderosa e harmônica entidade de âmbito estadual. Conseguiu a doação do terreno e a seguir o financiamento para a construção da sede da Associação, inaugurada sob a sua presidência em 1952.
     O alargamento dos horizontes da Associação Paulista de Medicina ensejou a criação da Associação Médica Brasileira, na qual a sua participação foi marcante e decisiva.
     Emprestou apoio, colaborou ativamente, foi membro ou dirigiu a Sociedade Brasileira de Cardiologia, os Arquivos Brasileiros de Cardiologia, o Conselho Regional de Medicina, o Conselho Federal de Medicina, a Associação Paulista de Hospitais, a Associação Médica Brasileira, e tantos outros organismos que seria fastidioso enumerar.
     A vida de Jairo Ramos se confunde com a da própria Escola Paulista de Medicina. A esta casa, que idolatrava, deu o melhor de si. Conheci-o aqui, em 1939 (palavras do professor Ratto). Ao relacionamento professor-aluno associou-se profunda amizade, o que me permitiu convívio íntimo e continuado durante 33 anos, com esta figura singular que nos recônditos de sua alma era todo bondade, amizade, afeto e dedicação. Com a sua convivência percebi logo as suas três grandes preocupações: o lar, a Escola Paulista de Medicina, os médicos.
     Foi professor de Propedêutica, dirigindo pequena enfermaria, a princípio no Pavilhão Maria Tereza, depois no Hospital São Paulo, primeiro hospital de clínicas do Brasil. Com número reduzido de leitos e com modesto laboratório anexo, conseguia dar um curso dos melhores para a época. Criador de escola foi preparando um grupo de assistentes sempre crescente, para muitos dos quais conseguia bolsas de estudo no exterior, com a finalidade de se aprimorarem em campos específicos. Em 1951, contando com pessoal especializado em número suficiente, defendeu a ideia plenamente acatada pela Congregação da Escola Paulista de Medicina da instalação do Departamento de Medicina, do qual foi seu Diretor até 31 de dezembro de 1965.
     Com a criação do Departamento procedeu a inúmeras modificações no ensino, aprimorando o aprendizado, como o noviciado, os seminários, a enfermaria geral, as reuniões clínico-patológicas e anátomo-propedêuticas.
     Na Escola não se plantou cômoda e egoisticamente no seu Departamento, foi mais adiante. Sempre alerta, batalhou, incentivou, ajudou e prestigiou toda e qualquer iniciativa que trouxesse melhoria ao padrão de serviços que a instituição presta à coletividade. Assim aconteceu quando do auxílio da Fundação Rockfeller, na modificação do exame vestibular, de que acabou resultando o CESCEM, na criação do Departamento de Medicina Preventiva. Além de professor, pertenceu, praticamente a todos os conselhos e comissões da Escola, foi seu Diretor e Presidente da Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, sociedade mantenedora do Hospital São Paulo.
     Aos 31 de dezembro de 1965, mal saído de grave doença, é aposentado compulsoriamente pela entrada em vigor do Estatuto do Magistério Superior Federal. A recondução que era permitida por lei não ocorreu. Jairo Ramos nunca se conformou com o acontecido e guardou consigo essa mágoa, porém não deixou de frequentar e amar a Escola até sua morte ocorrida em 27 de setembro de 1972.
     Jairo Ramos foi homem dotado de personalidade marcante e por isso, muitas vezes, não foi muito bem compreendido. Passou pela vida terrena com a predestinação de servir e servir bem. Atingiu a eternidade com a paz de espírito que é o privilégio daqueles que bem cumpriram o seu dever e sua missão. 

Referência bibliográfica: Ratto, O. R. - "Jairo de Almeida Ramos" in A Escola Paulista de Medicina - dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, pgs. 92 a 95, 1977. 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Biografia de Octavio de Carvalho


Este texto sobre Octavio de Carvalho foi escrito pelo Prof. Dr. Jair Xavier Guimarães, aluno da primeira turma da Escola Paulista de Medicina em 1933, texto esse para o livro comemorativo dos 40 anos da EPM. Assim, o Prof. Jair escreveu uma biografia com bastante ênfase no papel crucial do Prof. Dr. Octavio de Carvalho na fundação da Escola Paulista de Medicina e não tanto em outros aspectos da vida deste. Este texto também vale pelo testemunho pessoal do Prof. Jair, já que os alunos da primeira turma da EPM podem ser considerados “cofundadores” da Escola.

Octavio de Carvalho
Fundador da Escola Paulista de Medicina
(1891-1973)
Por Jair Xavier Guimarães (publicação de 1977)

     O ano de 1933 encontrara o povo de São Paulo profundamente insatisfeito e inconformado com o desfecho da Revolução Constitucionalista. Ainda conservamos intactas as recordações daqueles quatro meses de 1932, vividos e sobrevividos pelo milagre da união em torno de um ideal. Restauração da liberdade democrática, sob a égide de uma Constituição que realmente unisse os brasileiros e os proclamasse iguais perante a Lei, usufruindo dos mesmos direitos e cumprindo os mesmos deveres. Estavam completamente enganados os que julgavam ter aquebrantado nossa fé e minado nossa esperança. O ânimo dos paulistas sobrevivera inquebrantável. Retornamos ao trabalho honesto e produtivo. Todos: os paulistas que aqui nasceram; os imigrantes que aqui encontraram sua terra e construíram seu lar; os irmãos brasileiros de outros Estados que ombro a ombro colocavam o seu tijolo, ajudando a erigir o edifício da Pátria comum. Tínhamos ainda muito que construir. Sem ódio ou ressentimento que nada constroem, mas com muito amor e trabalho perseverante.
     Havia, por exemplo, muito por fazer no campo da educação médica e da assistência médico-hospitalar. A única Escola Médica existente em São Paulo, oficial, oferecia exíguo número de vagas em relação à demanda dos jovens capazes e ávidos de estudar medicina. Milhares de moços se deslocavam anualmente e, longe de seus lares, iam estudar no Rio de Janeiro, Curitiba, Recife e Salvador. Outros, menos afortunados, eram obrigados a desistir. A carência de leitos hospitalares para indigentes constituía outro aflitivo problema social.
     Estes problemas, naturalmente, constituíam preocupação mais constante de um grupo de médicos paulistas categorizados pelo seu conceito profissional e já encaminhados na carreira do magistério superior. Quis o determinismo histórico que, dentre eles, um se destacasse pelos seus autênticos atributos de líder: Octavio de Carvalho.
     Ainda moço. Mas já tendo alcançado êxito em sua atividade profissional particular, bem situado no exercício da Clínica Médica de São Paulo, trazia excelente lastro de aprendizado e experiência médica e de ensino, pois estagiara nos melhores centros médicos científicos da época: Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha e Áustria. Dedicara seis anos e meio de sua vida na realização desses estágios.
     Em fevereiro de 1933, teve ciência de que 119 moços haviam prestado exame vestibular na Faculdade de Medicina de São Paulo e, embora aprovados, não haviam conseguido vaga. Estavam condenados a aguardar mais um ano para nova tentativa ou tentar a sorte em outras paragens. A acuidade mental de Octavio de Carvalho determinou que era chegada a hora da realização do sonho há tanto tempo acalentado. Era imperioso por à prova seus atributos de líder. E ele o fez. Reuniu colegas e os convenceu pela argumentação e pelo entusiasmo. Conseguiu aglutinar a elite da geração moça de médicos de São Paulo. O tempo viria comprovar este fato.
     De outro lado, convocou os 119 moços que se encontravam na aflitiva situação já referida. Sou testemunha viva daquelas memoráveis reuniões realizadas no Trianon, da Avenida Paulista. A exposição que ele fazia da situação e dos fatos era franca, honesta e convincente. Assumimos com ele um pacto de honra. Cada um de nós passou a ser seu soldado, na luta pela nobre causa. Amadurecida a ideia, urgia pô-la em prática. Octavio de Carvalho já conseguira excelente Corpo Docente e contava com a adesão e o compromisso dos futuros alunos. O prédio para o funcionamento adequado da nova Escola foi alugado – Rua Oscar Porto, no bairro do Paraíso. O exame vestibular, tão rigoroso quanto o da Faculdade oficial, foi realizado e assim selecionados 83 moços que iriam constituir a 1ª turma. E a Escola foi batizada: Escola Paulista de Medicina.
     A 1º de junho de 1933, os fundadores da nova Escola se congregam em Sociedade Civil de fim não lucrativo e comunicam ao povo de São Paulo, através de memorável Manifesto sua decisão e sua firmeza de propósitos.
     Octavio de Carvalho foi eleito pelos seus pares para o primeiro Diretor da nóvel Instituição. E, aí começou o ingente esforço para implantação e sobrevivência desta tão ousada iniciativa. Obstáculos de toda ordem se antepunham – incredulidade de muitos, resistência de outros, dificuldades econômicas para manutenção de pessoal e aquisição de equipamento indispensável; a tenacidade de Octavio de Carvalho enfrentava e vencia a tudo e a todos. Cada dificuldade constituía um estímulo à sua vontade de lutar, afinal era por um ideal que estava lutando.
     Dois anos após, valendo-se de financiamento da Caixa Econômica Federal de São Paulo, foi adquirido o imóvel e terreno para a sede definitiva da Escola, propiciando inclusive área para construção do Hospital de ensino. Aos 30 de setembro de 1936 era lançada a estaca fundamental do Hospital São Paulo. Essa conquista foi possível graças às gestões e o prestígio de Octavio de Carvalho junto ao presidente da Caixa Econômica Federal, Dr. Samuel Ribeiro.
     E outros empreendimentos e outras vitórias, a tenacidade e o idealismo de Octavio de Carvalho conquistaram: a cessão das Enfermarias do Hospital Humberto Primo para o ensino da Propedêutica Médica, a construção do Pavilhão Maria Teresa Nogueira de Azevedo – sede provisória do Hospital São Paulo, o concurso do eminente professor alemão Walter Büngeler para ensinar Anatomia Patológica, a concessão das amostras de café feita pelo Departamento Nacional do Café com apreciável renda para o Hospital São Paulo e, finalmente, o reconhecimento oficial da Escola pelo Conselho Federal de Educação em 1938. Em fevereiro deste ano deixou a direção da Escola, continuando, desde então, a exercer as atribuições da Cátedra da 1ª Clínica Médica, até 9 de julho de 1961, data da sua aposentadoria compulsória.
     Em 22 de setembro de 1961, a Congregação resolveu prestar uma homenagem a Octavio de Carvalho, inaugurando um monumento erigido no Pátio Interno da Escola. De acordo com manifestação do Prof. Marcos Lindenberg, Diretor àquela época, esta iniciativa foi tomada “reconhecendo o serviço relevantíssimo à coletividade, por motivo do afastamento que a lei lhe impôs, no trabalho desta casa, que ele idealizou, fundou e amou”.
     Octavio de Carvalho nasceu aos 9 de julho de 1891, filho do Dr. Theodoro Dias de Carvalho Junior e de Da. Zulmira de Carvalho e diplomou-se pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1915, após curso brilhante em que se destacou como um dos melhores alunos de sua turma. Depois de estágios de aperfeiçoamento na América do Norte e na Europa regressou a São Paulo, sua terra natal, onde, especialista em Clínica Médica, inicia as suas atividades profissionais. Aposentado, passa a residir no Rio de Janeiro, onde faleceu a 25 de julho de 1973.
     Octavio de Carvalho, Homem, Médico e Professor – Líder de uma geração. Mais do que uma palavra ou do que todas as palavras, a verdade é que a Obra que ele idealizou, fundou e amou aí está – firme, imperecível, plena de frutos.
     A ele o reconhecimento e a gratidão de todos quantos viveram ou vivem sob o teto da Escola Paulista de Medicina.
                                                    
Fonte bibliográfica: Guimarães, Jair Xavier – Octavio de Carvalho: fundador da Escola Paulista de Medicina in A Escola Paulista de Medicina – dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes. José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, pag. 125-129.