segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Biografia do Prof. André Dreyfus


A partir de texto do Prof. Edgard Barroso do Amaral

     André Dreyfus nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, a 5 de julho de 1897. Fez cursos primário e secundário naquela cidade e pelos idos de 1912 mudou-se com a família para o Rio de Janeiro. Formou-se em 1919, pela Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, onde logo passou a trabalhar como assistente de Histologia, e como analista do Laboratório da Colônia Juliano Moreira de pacientes psiquiátricos. Em 1923, instalou curso particular de Biologia e Embriologia pelo qual passaram muitos alunos até 1927. Nesse ano, foi insistentemente convidado pelo Prof. Pedro Dias da Silva, então Diretor da Faculdade de Medicina de São Paulo, para onde se transferiu e iniciou atividades didáticas como assistente de Carmo Lordy, catedrático de Histologia, em tempo integral. Permaneceu na Faculdade de Medicina até 1933, dando cursos extraordinários, iniciando suas célebres conferências sobre Hereditariedade e Genética, não só para alunos e médicos, mas também para intelectuais e cientistas. A partir de 1934 passa a professor catedrático de Histologia da Faculdade de Farmácia e Odontologia, acumulando, no mesmo ano, a regência da Cadeira de Histologia e Embriologia Geral da Escola Paulista de Medicina. Permaneceu na Escola Paulista até fevereiro de 1938, quando, após brilhante concurso, foi efetivado como professor em tempo integral, de Biologia Geral da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Consolidou-se então o seu nome como professor atuante e conferencista de mérito excepcional. O seu crescente prestígio conduziu-o contra a sua vontade, em 1943, por insistência do então Reitor Jorge Americano à direção da Faculdade de Filosofia. Marcou fundo a sua passagem no cargo pela reforma fundamental e de grande amplitude dos cursos; pelo contrato de professores estrangeiros de mérito e pelas iniciativas visando o avanço da ciência e da cultura também em outras faculdades de Filosofia do país. Dele escreveu Zeferino Vaz, um de seus melhores amigos: “Já descrevi certa vez o entusiasmo juvenil que se notava em Dreyfus com a presença de Dobzhansky em seu laboratório, ensinando a ele e a seus assistentes as mais recentes técnicas de pesquisa citogenética e todos os segredos de captura, identificação, cultura e cruzamento de Drosófilas. Era a primeira vez que ele encontrava um orientador, ele que tudo teve que fazer por si, sentindo quanto pode um mestre abreviar o caminho da ciência... Em verdade, nada havia no Brasil em matéria de Genética antes de Dreyfus. Nem sequer se conhecia o nome de Mendel e todavia, em contraste envaidecedor, quando morreu, e graças a ele, passamos a constituir o maior centro de genética animal da América Latina, e um dos mais respeitados do mundo... André Dreyfus foi sempre extremamente sensível à produção artística. A música, a pintura, a escultura e a literatura o empolgavam e a seu culto dedicava todas as horas que conseguia roubar à ciência... A sua obra científica era exposta oralmente ou por escrito com clareza e em estilo puro, empolgante e persuasivo... Escreveu certa vez que a Ciência, por divertida, poderosa, útil e bela que seja, não é tudo, porque o homem não pode viver apenas da razão. Só a generosidade, o altruísmo e o desprendimento tornam a vida digna de ser vivida e a mais caracteristicamente humana das qualidades é a amizade. Certamente poucos homens terão praticado um culto tão elevado da amizade quanto André Dreyfus. Aos discípulos prestava carinhosa assistência afetiva, procurando auxiliá-los na solução dos mais íntimos problemas pessoais, além de inexcedível dedicação, contínuos ensinamentos e estímulos ao trabalho científico”.
     Conforme o Prof. Amaral, até sua morte por acidente vascular cerebral em São Paulo, em 15 de fevereiro de 1952, André Dreyfus foi incansável no cumprimento de sua tarefa e de sua missão como mestre e formador de discípulos.  

Fonte bibliográfica:
Edgard Barroso do Amaral - André Dreyfus (1897-1952) in A Escola Paulista de Medicina - dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes. Organizado por Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, pgs. 156-158. 


sábado, 7 de setembro de 2019

Biografia do Prof. Abrahão Rotberg


A partir de texto de Raymundo Martins de Castro

     Abrahão Rotberg nasceu em Odessa, em 12 de janeiro de 1912, e ainda criança emigrou com seus pais para o Brasil. Fez as primeiras letras no Rio de Janeiro e o curso secundário no tradicional Colégio Pedro II dessa cidade.
     Ingressou na então Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 1928. Formou-se em 1933. Desde a vida acadêmica, interessou-se pelo Mal de Hansen. Nas enfermarias do então Sanatório São Bento, coletou o material para sua tese de doutorado: “Intradermorreação de Mitsuda-Hayashi”. Essa tese marcou época, pois eram confusos os conhecimentos sobre formas graves e formas benignas do Mal de Hansen. Sua tese foi um dos elementos que possibilitaram a F. E. Rabelo e J. M. Fernandez imporem perante a ciência mundial a classificação sul-americana do Mal de Hansen.
     Rotberg formou-se em época um tanto peculiar para a Dermatologia paulista, na década de 1930. A esse tempo, o antigo Departamento de Profilaxia da Lepra, dirigido por (conforme Raymundo M. de Castro) personalidade “doublé” de cirurgião e sanitarista, possibilitou a Rotberg e vários outros, entre os quais dois colegas de sua turma, Luís Marino Beccheli e Luís Baptista, meios para se aperfeiçoarem em Leprologia e Dermatologia. Foi esta uma espécie da fase áurea da Leprologia paulista e São Paulo tornou-se um tipo de “Meca da Leprologia mundial”.
     Rotberg complementou sua formação dermatológica como assistente de Dermatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, na cátedra então regida pelo Prof. João de Aguiar Pupo. Aí, pouco permaneceu como assistente. A Constituição de 1937 proibia a acumulação de cargos públicos e Rotberg optou pelo Departamento de Lepra, tal era o prestígio dessa instituição nessa época.
     Em estágio nos Estados Unidos aperfeiçoou-se em Alergia, tendo sido um dos pioneiros nesse assunto no Brasil. Em 1939, apresentou trabalho em Congresso de Ciência do Pacífico em S. Francisco, e de lá rumou para o Skin Cancer Hospital em Nova York.
     Com a instalação da Clínica Dermatológica do Hospital das Clínicas, Aguiar Pupo convidou Rotberg para integrar o quadro de médicos auxiliares. Cumprindo exemplarmente suas funções de ensino, pesquisa e assistência em 1951, obteve a Venia Docendi, em brilhante concurso no qual defendeu tese sobre intradermorreação de Montenegro.
     Após a prematura morte de Nicolau Rossetti e o curto tempo que Newton Guimarães regeu a cátedra na Escola Paulista de Medicina (1957), Rotberg assumiu a regência da cátedra, em 1958, nela permanecendo até 1970.
     Implantou novos métodos de ensino e, sobretudo, possibilitou diálogo franco e leal entre professor e aluno. Desse diálogo resultou ser homenageado por quase todas as turmas que lecionou.
     É coautor, juntamente com Luiz Marino Becchelli, de um compêndio de Leprologia. Essa obra, publicada em 1956, foi importante texto para os dermatologistas e os então leprologistas.
     Foi diretor do Departamento de Profilaxia da Lepra e, após a reforma administrativa da Secretaria da Saúde, com a criação da Coordenadoria de Serviços Técnicos Especializados, passou a exercer o cargo de Coordenador.
     Ao tempo da escrita do texto sobre ele, de Raymundo Martins de Castro, nos anos 1970, ele continuava sua renhida campanha para a adoção do nome “hanseníase” em substituição a lepra, visando atenuar o estigma sobre a doença. Nessa sua luta, já contava com apoio de especialistas nacionais e estrangeiros, de escolas médicas, de sociedades médicas, de governos estaduais e também do governo federal.
     Em 1971 tornou-se o supervisor científico da publicação “Hanseníase”, órgão oficial da Divisão de Hansenologia e Dermatologia Sanitária da Secretaria da Saúde.
     Quando na direção do Departamento Nacional de Profilaxia da Lepra, em 1967, propôs abolir o isolamento compulsório, bem como lançou a ideia de usar-se o nome “hanseníase”. Em 1975, esse termo foi adotado oficialmente pelo Ministério da Saúde do Brasil. Rotberg foi fundamental para criação do termo, sua substituição e para o fim das colônias de isolamento da moléstia.   
     Trabalhou em seu consultório até 2003, com 91 anos. Faleceu no dia 1 de novembro de 2006 em São Paulo.

Fontes bibliográficas:
1 – Castro, R. M. – “Abrahão Rotberg” in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes. Organizado por José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, pg 153-155.
2 – Obituário de A. Rotberg. Anais Brasileiros de Dermatologia, vol. 81, nº 6, Rio de Janeiro, nov/dec, 2006.  

sábado, 3 de agosto de 2019

Biografia do Prof. Horácio Kneese de Mello



      Horácio Kneese de Mello nasceu em São Paulo em 3 de abril de 1914. Foi o sexto de sete filhos em sua família. Descreveu seu pai como um liberal de sua época, que entendia os problemas da então juventude, e que se casou já em idade madura. E que certas decisões na família eram tomadas pelo pai. Diz ele que, como não havia rádio ou televisão, cada filho tinha que aprender a tocar um instrumento. A ele coube o violino, que ele duramente manteve o estudo por quatro anos com o professor Zacarias Autuori, até que ele convenceu seu pai de que deveria parar.
     Horácio começou seus estudos com uma governanta alemã, Dona Angélica, que morava em sua casa. Quando decidiram levá-lo à escola, foi submetido a ligeiro exame na Escola Americana, que era o curso primário do Mackenzie, onde ele entrou já no terceiro ano. Nessa época, o curso primário regular tinha quatro anos. Nessa escola, especificamente, tinha sete anos. Após esse primário, seguiu o curso ginasial no mesmo local. Essa continuidade no Mackenzie era para quem fosse seguir Engenharia. Ou ainda o curso de Comércio viria logo a seguir ao dito primário. Como seu pai era quem decidia, o primeiro filho homem seguiu engenharia e tornou-se arquiteto. O segundo seguiu comércio, para trabalhar com o pai na casa J. Moreira e Companhia, atacadista de tecidos. O terceiro, que era ele, Horácio, deveria seguir Medicina. Se houvesse mais um filho homem, seguiria advocacia. Assim, Horácio foi transferido para o Liceu Rio Branco, na Rua Maria Antonia, para seguir um curso mais apropriado à Medicina. Por ele mesmo, Horácio teria seguido Engenharia para ser arquiteto, tal qual seu irmão mais velho.
     Desse modo, em 1933, entrou na primeira turma da Escola Paulista de Medicina. Durante o curso médico foi presidente do Centro Acadêmico Pereira Barreto em 1934-1935. Foi fundador e primeiro presidente da Associação dos Ex-Alunos da EPM.   
     Quando Horácio estava no quinto ano do curso médico, em 1937, a EPM se mudou definitivamente para a Vila Clementino. Ele morava na rua Bela Cintra e tinha que pegar dois bondes para chegar à escola, que nessa época ficava naquele “fim de mundo”. Pediu então a seu pai que lhe comprasse uma motocicleta. Em sua turma, só ele e um colega, Luiz Junqueira Lobato, usavam. Refere ter ganho muito tempo de estudo com esse transporte. Era uma moto alemã, DKW, pois não havia fabricação no Brasil.    
     Seu pai tinha uma fazenda no Estado do Rio, onde nasceu, cercada por fazendas de familiares. Nesse ambiente, as pessoas reuniam-se à noite para tocar e cantar. Foi aí que Horácio aprendeu a cantar e tocar violão e cavaquinho. Quando estudava Medicina, tinha um colega de turma, Ramiro de Araújo Filho, que era bom músico e tocava bem piano e violão. Horácio ia à sua casa e cantava acompanhado por piano. Nazaré, esposa de Ramiro, dizia que ele cantava bem e que iria encaminhá-lo a alguém. Na época, a editora de músicas Irmãos Vitale tinha um estúdio no Largo da Sé, onde uma pianista acompanhava e orientava possíveis futuros cantores. Ela chamava-se Naja. Aprovou Horácio como cantor. A partir daí, começou a frequentar esse estúdio semanalmente, onde encontrava três ou quatro rapazes, cantores como ele. Na época, havia em São Paulo apenas uma estação de Rádio, a Rádio Educadora. Aos sábados à tarde Naja fazia lá um programa de uma hora de duração, com a apresentação dos cantores. Ela fazia questão de que o cantor tivesse a letra escrita, para não esquecer. Horácio manteve guardado o caderno em que registrou as músicas: Meu Último Luar, Volta Para o Meu Amor, A Mulher que Ficou na Taça, Amores de Estudante, Serenata. Eles procuravam imitar os famosos, Francisco Alves, Orlando Silva e Sílvio Caldas. Em certa excursão a Belo Horizonte, ele cantou Amores de Estudante em um programa. Em São Paulo, foram surgindo novas estações de rádio. Os irmãos Fontoura, Olavo e Dirceu, fundaram uma na Rua Padre João Manoel, onde ele cantou. Certa vez, Paraguassu (assim, com dois s), cantor profissional, pediu a Naja que lhe enviasse algum de seus pupilos, e ele foi encaminhado à Rádio Cruzeiro do Sul para fazer um teste, onde ele cantou Serenata, de Sílvio Caldas. Ele não soube do resultado, mas também não gostava do modo de Paraguassu cantar. De todos esses cantores, um apenas se profissionalizou.
     Certa vez, Horácio resolveu fazer uma serenata para sua namorada, Lydia, que morava na rua Haddock Lobo, quase esquina com Estados Unidos. Ao lado dessa casa havia um terreno vazio, com algumas árvores. Ele pediu ao Ramiro que o acompanhasse com o violão e este levou junto um violinista, Chico, que tocava à noite em um café no centro da cidade. O pai de Lydia era tido como pessoa brava, antes que ele o conhecesse. Quando estava na segunda música, acenderam-se as luzes da casa e houve uma debandada geral. No dia seguinte Lydia contou-lhe que fizeram uma serenata. Ele revelou tratar-se dele mesmo.
     Com poucos anos de formado foi a Congresso de Cardiologia no Instituto de Cardiologia do México juntamente com Jairo Ramos, quando então seguiam a escola de Frank Wilson, segundo ele, divergente da escola de Louis Katz.
       Com a morte de Lemos Torres em 1942, o Prof. José Barbosa Correa passou a reger a chamada 2ª Clínica Médica. Com a morte de Correa em 1948, o Prof. Horácio de Kneese Mello o substituiu, sendo o primeiro ex-aluno da EPM a se tornar professor da Clínica Médica. Em 1951, com a criação do Departamento de Medicina pelo Prof. Jairo Ramos, foi também criada a Disciplina de Cardiologia, sob a chefia do Prof. Dr. Horácio K. Mello, que mais tarde tornou-se o seu Professor Titular. Ainda em 1951, o Prof. Jairo pediu ao Prof. Horácio que fizesse uma visita às faculdades americanas para trazer noções que pudessem ajudar no desenvolvimento desse departamento. Assim, Horácio e sua família viajaram pelos Estados Unidos em 1952 e 1953 para fazer essas observações. Cumpriu essa missão e retornou. Com a aposentadoria precoce do Prof. Jairo Ramos, em 1965, o Prof. Horácio foi eleito para o cargo de Chefe do Departamento de Medicina[1].   
     Em 1964, Horácio lançou o livro Problemas de Cardiologia. Sobre esse livro, vai a seguir um texto que ele escreveu:
     “Em 1964 lancei, por intermédio do Fundo Editorial Procienx, um pequeno livro intitulado Problemas de Cardiologia. Nele expus ideias que amadureceram ao longo de vinte e cinco anos de exercício da medicina, em contato permanente com professores, estudantes e colegas em geral.”
     “O ponto que sempre enfatizei, inclusive nesse livro, foi a necessidade que tem o médico de encarar o doente como um todo, corpo e espírito. Cito autores que li, como, por exemplo, Carl Binger (The Doctor’s Job, WW Norton & Company, New York, 1945), que diz: ‘a medicina não é e provavelmente nunca será uma engenharia humana’. E mais: ‘É quase tão importante conhecer o tipo de doente que apresenta a doença, como o tipo de doença que o paciente tem’.”
     “Embora citando alguns autores com os quais estou de pleno acordo, procurei escrever um livro muito pessoal. Na sua introdução lê-se: ‘Não sabemos se o conseguimos, mas foi nossa intenção escrever um livro diferente’. E ainda: ‘É um depoimento. Nele procuramos discutir assuntos sobre os quais temos pensado longamente, e sobre os quais achamos ter ideia bem firmada, fruto de contato diário com doentes, estudantes e colegas’.”
     “Para ilustrar meus pontos de vista, descrevo vários casos clínicos. Sempre, naturalmente, por uma questão de ética, não citando nomes ou quaisquer outros elementos que permitissem identificar os pacientes”.
     “Passados alguns meses do lançamento do livro, recebi uma carta que foi para mim muito interessante e agradável, não só porque fazia elogio ao livro como, também, pelo pitoresco do seu final Aqui vai ela: ‘Caro Kneese, li o seu livro e posso responder sua dúvida na introdução. Você conseguiu seu objetivo, sim. Deu ao médico não especializado, que o vai ler, ideias seguras, honestas e simples sobre muita coisa confusa – anticoagulantes, corticosteroides, hipotensores, amigdalectomia, etc. Pôs o seu senso, o seu equilíbrio e experiência contra muita coisa desajustada que vai sendo imposta como ciência, sem mais exame. E, por fim, como ponto alto, lanço o apelo que, mais do que qualquer outro, precisa ser ouvido com urgência – para que o médico volte a ser humano e alcance, de novo, a condição humana de seu doente, e deixe de ser ‘o engenheiro’ em que dados técnicos o vão transformando. Um abraço saudoso e grato do Doente da página 68’.”      
     O Prof. Horácio K. Mello foi Diretor da EPM de 1970 a 1974 e foi eleito Presidente da Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina no último ano de sua gestão como Diretor, tendo ficado até 1976. Também foi Presidente da Associação Brasileira de Escolas Médicas.
     O processo de tornar-se Diretor da escola foi complexo. Em 1970, o então Diretor da EPM era o Prof. Nylceo Marques de Castro, que faleceu por morte trágica. Foi interinamente substituído pelo Prof. Horácio K. de Mello. Atendendo às novas disposições legais, a lista tríplice de candidatos a diretor tornou-se lista sêxtupla, sendo que encabeçaram a lista como presidente e vice-presidente o Dr. Horácio K. de Mello e o Dr. Costabile Gallucci, respectivamente, cuja aprovação pelo governo demorou durante quase todo o ano de 1970. Essa fase de interinidade foi difícil e levada a contento pelo Prof. Horácio pela sua capacidade de negociação em alto nível, bem como por seu prestígio e amor ao trabalho, de modo que contornou os problemas com sabedoria e justiça.  
     Ainda em 1970, conforme informações do Dr. Adnan Neser: "foi graças à lucidez do Prof. Horácio que foi formada a primeira Comissão de Ensino e Residência Médica, na própria EPM, presidida pelo Prof. Azarias de Andrade Carvalho, auxiliado pelos Profs. Orestes Barini, Uanandy Andrade e por mim, Adan Neser, que fui designado como secretário da Comissão, com muita honra, como representante do Corpo de Residentes". 
     Em 1972 fez parte da delegação que a AMB enviou a Copenhague em um Congresso sobre Ensino Médico organizado pela Associação Médica Mundial.
      Também foi membro e coordenador da Comissão de Ensino Médico do Ministério da Educação, membro e presidente do Conselho da CAPES, assessor do CNPq, presidente da Associação Brasileira de Educação Médica.
     Aposentou-se em 1980, e, após isso, foi membro do Conselho Federal de Educação e do Comitê Editorial do CNPq. Foi membro da Academia de Medicina de São Paulo, da Academia Brasileira de Educação, membro honorário da Academia de Medicina do Chile e professor “honoris causa” da Escola Paulista de Enfermagem[2].
     Em 1985 fez uma exposição individual de pintura na Galeria Íbero-Americana de Arte.
     Em 1988 escreveu o livro “Histórias Acontecidas e Outras Histórias”. Nesse livro relata histórias pitorescas de sua vida em geral e profissional, além de contos e anedotas.
     Depreende-se, de um modo geral, que uma das virtudes centrais do Prof. Horácio em sua vida como professor foi a capacidade de encontrar o equilíbrio e a diplomacia entre diferentes grupos, com diferentes interesses, mesmo em situações de conflito.   
     Prof. Dr. Horácio Kneese de Mello faleceu no ano de 1999[3].



[1] Escola Paulista de Medicina – 60 anos de História. Organizado por O. R. Ratto, L. K. Matsumura, H. A. Rothschild. Gráfica Poolprint, 1993.
[2] Mello, H. K. – Histórias Acontecidas e Outras Histórias. Proposta Editorial, 1988.
[3] Nemi, A – Hospital São Paulo/SPDM: Atendimento à Saúde entre o Público e o Privado nos Anos 70 do Século XX in Medicina Saúde e História: Textos Escolhidos e Outros Ensaios. Coleção Medicina, Saúde e História. Organizado por A. Mota e MGSMC Marinho. Casa das Soluções Editora, 2014, pg. 118.

domingo, 7 de julho de 2019

Biografia do Prof. Paulo Mangabeira Albernaz


A partir de texto de Ângelo Mazza e outras fontes

     Paulo Mangabeira Albernaz nasceu em Bagé, no Rio Grande do Sul, em 25 de janeiro de 1896. Sendo filho de médico, cedo optou por estudar Medicina. Transferiu-se para Salvador, Bahia, onde fez estudos básicos que lhe deram sólido cabedal humanístico. Em 1913 entrou na Faculdade de Medicina da Bahia e ainda estudante, demonstrou interesse pela Otorrinolaringologia, chefiada então por Eduardo Moraes, mestre de grande saber, admirado por seu saber e por seu apuro na indumentária. Também foi auxiliar acadêmico do Instituto Oswaldo Cruz da Bahia (1916-18) e da Cadeira de Anatomia Patológica (1916-17).
     Formado em 1918, em 1919 Mangabeira Albernaz foi laureado com distinção em sua tese de formatura intitulada “Estudos sobre a raiva”. A partir de então, firmou-se na área de Otorrinolaringologia. Ainda nessa época, iniciou seus estudos em terminologia médica, assunto de sua predileção, em que se tornou autoridade. Bastante preocupado com o aprimoramento da linguagem médica, publicou seguidos estudos objetivando diretrizes para sua uniformização.
     Em 1921 mudou-se para o estado de São Paulo, em Jaú, onde trabalhou cinco anos na Santa Casa e fundou a Sociedade de Medicina de Jaú, da qual foi presidente.
     Em julho de 1926, a convite do Dr. Carlos Penteado Stevenson, mudou-se para Campinas, onde fundou a Clínica Otorrinolaringológica da Santa Casa, a cuja frente permaneceu por aproximadamente trinta anos, sendo que no período final foi auxiliado pelo seu filho Luiz Gastão. De estudos nesse local surgiram muitos trabalhos, alguns publicados no exterior.  
onde continuou sua pesquisa sobre o tratamento da Angina fusoespiralar (de Vincent) pela aplicação tópica de sais de bismuto, estudo esse com boa repercussão no exterior.
   Albernaz pesquisou também lesões proliferativas da Leishmaniose nasal (Úlcera de Bauru) descrevendo pela primeira vez na literatura mundial sua forma poliposa “O pólipo de Leishmaniose”. Essas pesquisas suscitaram controvérsias que ele rebateu com rigor científico. Em 1944, Marques da Cunha reproduziu experimentalmente em Macacus rhesus o pólipo da Leishmaniose na mucosa nasal, confirmando essa hipótese em definitivo.
          Em 1933, com sua participação na fundação da Escola Paulista de Medicina, iniciou nova etapa em sua vida, a do magistério. Entregou-se de corpo inteiro com verdadeira idolatria pela EPM, onde saíram diplomados seus três filhos: Luís Gastão, Paulo e Pedro Luís. Durante três décadas professou aulas memoráveis, concorridíssimas e fascinantes pela clareza, elegância e precisão da linguagem.
     Em 1937, convencido dos méritos da etmoidectomia sistematizada pelo Prof. Ermiro de Lima (muito mais segura do que a convencional), por meio de concludente e irrefutável artigo, despertou a atenção dos colegas, enalteceu seu valor técnico, conferindo-lhe o prestígio que depois adquiriu; ainda com demonstrações práticas em Buenos Aires, a fez conhecida internacionalmente.
     São ainda desse tempo as publicações de magníficas lições de Otorrinolaringologia básica na revista Brasil Médico; pelo estilo ágil e fluente, foram reproduzidas, por solicitação, pela revista argentina “El Dia Médico”. Instado pelo diretor do Brasil Médico, compilou-as em um compêndio chamado “Otorrinolaringologia Prática”, livro pioneiro e português sobre a especialidade. Depois, reformulado, com sucessivas edições, tornou-se livro adotado nas escolas médicas do Brasil.
     Por todo seu trabalho científico e acadêmico, em 1966, o Prof. Mangabeira Albernaz recebeu do governo federal a Comenda de Grande Oficial da Ordem do Mérito Médico.
     Em 1968, por incumbência do Conselho Técnico e Administrativo da Escola Paulista de Medicina, escreveu livro onde fez o histórico dos primeiros vinte e cinco anos da EPM.
     Além das atividades mais propriamente médicas, em 1966 tornou-se rotariano emérito do distrito 459 do Rotary International, do qual foi posteriormente governador em 1971-72. Foi Presidente da Sociedade Brasileira de Escritores Médicos e membro titular, na cadeira de Ruy Barbosa, da Academia Campinense de Letras.
     Em 1971 foi contemplado com o prêmio “Eliseu Segura” no congresso de El Salvador, em reconhecimento aos serviços prestados pela aproximação dos povos latino-americanos no campo da Otorrinolaringologia. O prêmio Medalha de Ouro foi-lhe entregue em sessão solene do departamento da Associação Paulista de Medicina, em 17 de abril de 1973, por Walter Benevides, Secretário da Federação Latino-Americana de Otorrinolaringologia, com a presença de professores das principais escolas médicas, além de representantes de órgãos de classe e grande número de médicos.
     Alguns dos livros do Professor Mangabeira Albernaz: “Otorrinolaringologia Prática”; “Clinica Otorrinolaringológica (Observações e Estudos); “Questões de Linguagem Médica”; “Lições de Terminologia Médica” (editado em Lisboa); “De que morreu Napoleão”, um ensaio médico-histórico; “Francisco Mangabeira, Sonho e Aventura”; “Linguagem Médica. Contestação a Desacertos e Desconcertos”.   
     Além disso pertenceu a diversas organizações médicas e humanísticas.
     O Prof. Paulo Mangabeira Albernaz foi casado com a Sra. Maria Mariani Mangabeira Albernaz. Ele faleceu em 23 de abril de 1982, com 86 anos.
     Seu nome foi dado a várias escolas e logradouros públicos de São Paulo e de Campinas.

Fontes bibliográficas:
1 – Mazza, A. – Paulo Mangabeira Albernaz in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 138-141.
2 - Brazilian Journal of Otorhinolaryngology
Acessível em http://oldfiles.bjorl.org/conteudo/acervo/acervo.asp?id=1980
3 – Dicionário de Ruas de São Paulo
acessível em https://dicionarioderuas.prefeitura.sp.gov.br/

quinta-feira, 16 de maio de 2019

Biografia de Otto Guilherme Bier


A partir de texto de Reynaldo Schwindt Furlanetto e de texto de Helio Begliomini

     Otto Bier nasceu em 26 de março de 1906, na cidade do Rio de Janeiro, onde cursou o Colégio Pedro II. Diplomou-se em 1928 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Ainda como estudante, manifestou sua vocação para Microbiologia. Em 1925 fez o Curso de Aperfeiçoamento em Bacteriologia e Imunologia do Instituto Oswaldo Cruz, com Antônio Cardoso Fontes.
     Para manter-se durante o curso, tocava violino juntamente com seu irmão, que tocava piano, acompanhando os filmes mudos nos Cine-Theatros da então Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, na Cinelândia, bem como na Tijuca e em Copacabana. Esse trabalho lhe garantia em torno de dois mil réis por mês. Nesse ambiente, conviveu com músicos e compositores que viriam a ser famosos, como “Pixinguinha”, cujo nome era Alfredo da Rocha Vianna e seu irmão Otávio Vianna, conhecido como “China”. Também Benedito Lacerda, Cândido Pereira da Silva, o “Candinho”. Anacleto de Medeiros, Catulo da Paixão Cearense, Joaquim Antônio Calado e Ernesto Nazareth.
     Refere o Dr. Begliomini que Otto Bier disse, anos mais tarde, ao Prof. Osvaldo Augusto Sant’Anna, pesquisador do Butantã, que considerava Pixinguinha um gênio e o choro representava o sentimento brasileiro.
     Quando de sua passagem pelo Instituto Oswaldo Cruz, Bier conviveu com Carlos Chagas, Henrique Aragão, Thales Martins e Evandro Chagas. Recebeu grande influência de Henrique da Rocha Lima que, em 1928, veio de Manguinhos para São Paulo para chefiar a Divisão de Biologia Animal do Instituto Biológico. Nessa época, o diretor do Instituto Biológico era o Dr. Arthur Neiva, entomologista do Instituto Oswaldo Cruz que já estava há anos em São Paulo, onde dirigiu o Serviço Sanitário.
     Otto Bier veio trabalhar no Instituto Biológico de São Paulo, juntamente com Adolfo Martins Penha, Celso Rodrigues e José Reis, a convite de Genésio Pacheco, seu antigo professor, que veio organizar a Secção de Bacteriologia. Em 1934, Bier passou a dirigir o Serviço de Sorologia, que mais tarde se tornou Secção de Imunologia.
     Aperfeiçoou-se em Microbiologia e Imunologia na Alemanha, no Instituto Robert Koch, em Berlim, e no Instituto Ehrlich, em Frankfurt, e nos Estados Unidos, no College of Physicians and Surgeons da Universidade de Columbia, com o Prof. M. Heidelberger (Imunologia Quantitativa), na qualidade de Fellow da Fundação Guggenheim (1941-1942 e 1946-1947). Publicou cerca de duzentos trabalhos no campo da Bacteriologia e da Imunologia, inclusive um livro texto que sem encontrava na 15ª edição, quando da escrita do texto biográfico do Dr. Furlanetto, na década de 1970.
     Ocupou os cargos de Chefe da Secção de Imunologia do Instituto Biológico da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo (1948-1955), de Diretor do Instituto Butantã (1944-1947) e de Professor Catedrático de Microbiologia e Imunologia da Escola Paulista de Medicina (1933-1968), da qual foi fundador e na qual exerceu o cargo de Vice-Diretor. Na EPM foi paraninfo da turma de 1955.
     Otto Bier foi um dos membros fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 8 de novembro de 1948, constando como um dos conselheiros já da primeira gestão, tendo Jorge Americano como presidente e Maurício Rocha e Silva como Vice-Presidente. A SBPC nasceu da liderança de cientistas paulistas com a finalidade de proteger instituições de pesquisa da intervenção estatal.
      Em 1951, esteve com o Prof. Pierre Grabar no Instituto Pasteur, em Paris. Fez estudos sobre complemento e anafilaxia cutânea. Em 10 de agosto de 1957, juntamente com outros pesquisadores, fundou a Sociedade Brasileira de Fisiologia. Foi autor de importantes contribuições no estudo da reação antígeno-anticorpo, mais especificamente no estudo da fixação de complemento como método de diagnóstico de doenças infecciosas. Tinha grande percepção da importância que a Imunologia viria a ter em Ciências Biológicas.
     Comforme Begliomini, o Prof. Bier, juntamente com Ivan Mota, contribuiu para a formação das primeiras gerações de imunologistas brasileiros, com projetos, teses, cursos, e estágios no exterior. Com recursos obtidos da Capes e da Fundação Ford desenvolveu o primeiro curso de treinamento em Imunologia do Departamento de Microbiologia e Imunologia da Escola Paulista de Medicina, onde buscavam preparar seis novos imunologistas por ano e pesquisas básicas em Imunologia. A partir daí, estabeleceu-se o Centro de Imunologia da Organização Mundial de Saúde sediado na EPM. O “WHO Immunology Research and Training Centre” foi estabelecido em 1965. Com a integração da Organização Pan-Americana de Saúde, em 1967, passou a ser chamado “Pan American Health Organization (PAHO) / World Health Organization (WHO) Immunology Research and Training Centre in Brazil”.   
     Após a aposentadoria de Otto Bier na EPM, em 1969, esse curso foi transferido para o Instituto Butantã, instalado no prédio Lemos Monteiro até o encerramento das suas atividades em 1983.
     Em 7 de julho de 1972, juntamente com Ivan Mota, Wilmar Dias da Silva, Nelson Monteiro Vaz e outros dezesseis imunologistas, durante o XXIV Congresso da SBPC, fundou a Sociedade Brasileira de Imunologia, evento ocorrido na FAU-USP. O Prof. Bier presidiu essa Sociedade nas duas primeiras gestões (1972-1977 e 1978-1980).    
     O Prof. Reynaldo S. Furlanetto refere ter sido seu aluno na Escola Paulista de Medicina em 1936, quando teve seu interesse despertado por Imunologia e Microbiologia a partir das aulas e da didática do Prof. Bier. Ambos voltaram a se encontrar em 1944 no Instituto Butantã. Desde então, o Prof. Furlanetto foi seu Assistente na Escola Paulista de Medicina e depois no Instituto Biológico, totalizando um convívio de quatorze anos. A partir dessa convivência, Prof. Furlanetto diz que o Prof. Bier era de saber eclético, sempre destacado nos cenários científicos nacional e internacional e ainda tinha tempo para ouvir música erudita, sendo que era excelente violinista, além de refinado “gourmet”.
     O Prof. Bier parecia austero ao primeiro contato, mas depois mostrava-se alegre, contador de histórias de variado repertório. Recorda o Prof. Furlanetto que, certa vez, no fim de um dia de trabalho, eles tiveram uma divergência no laboratório e o Prof. Bier o tratou de forma áspera. Na manhã seguinte, bem cedo, O Prof. Bier foi à casa do Prof. Furlanetto e lhe pediu desculpas, dizendo achar primordial preservar as velhas amizades, e lhe presenteou com um livro de Ramon y Cajal intitulado “Charlas de Café”, com a seguinte dedicatória: “Que este livrinho, com as boas palavras que o acompanham, sirva para que esqueça as más palavras que ouviu de um amigo neurastênico, que muito o preza e o admira”. O capítulo inicial desse livro traz pensamentos sobre a amizade.
     Em serviço, o Prof. Bier era extremamente exigente. Não aceitava resultados de laboratório que não fossem concordantes em quadruplicata, de modo que seguia com o trabalho noite adentro. Exigia originalidade e honestidade nas pesquisas e não suportava “franco atiradores sem gabarito”. Sua grande preocupação era elevar o padrão científico de nosso meio. Em sua direção no Butantã obteve várias bolsas de estudo para pesquisadores fora do Brasil e trouxe cientistas de renome internacional para que aqui formassem escola. Alguns deles criaram laboratórios de elevado padrão em especialidades ainda não existentes no país.
     Integrou o núcleo inicial de Conselheiros do Conselho Nacional de Pesquisas, CNPq, (1951-1955) e foi Membro desse Conselho, de 1958 a 1967. Exerceu a função de Assessor Na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Foi membro do Conselho Científico da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Presidente da Sociedade Brasileira de Biologia. Presidente da Sociedade de Microbiologia. Vice-Presidente da Academia Brasileira de Ciências.
     Foi membro de várias sociedades estrangeiras, como a Sociedade Americana de Imunologistas, Sociedade Britânica de Imunologia, Academia de Ciências de Nova York, Sociedade de Bacteriologistas Americanos, Academia Americana de Microbiologia, Sociedade Francesa de Microbiologia, Sociedade de Biologia Experimental e Medicina e outras.
     Participou de numerosos congressos e simpósios internacionais, tendo presidido algumas secções das áreas de Imunologia e Microbiologia, como no Rio de Janeiro e em Roma.
     Foi membro da Comissão de Elaboração do Anteprojeto de Reforma do Ensino Médico do Ministério da Educação e Cultura e da Comissão de Ensino Médico do mesmo Ministério.
     Na Organização Mundial de Saúde foi membro do Comitê de Peritos em Doenças Venéreas e Treponematoses e Peritos em Imunologia. Foi delegado do Brasil junto à Unesco e, de 1963 a 1966 ocupou o cargo de Membro do Comitê Consultivo do Centro Panamericano de Febre Aftosa (Rio de Janeiro) e do Centro Panamericano de Zoonoses (Buenos Aires), ambos da Organização Panamericana de Saúde, e a partir de 1966, o cargo de Diretor do Centro de Pesquisa e Formação em Imunologia”, no Instituto Butantã. Exerceu a função de Coordenador de Serviços Técnicos Especializados da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
     Em 1955, o Prof. Furlanetto assumiu o cargo de Titular na Disciplina de Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de Sorocaba, quando ambos passaram a trabalhar distantes.
     Ainda conforme Begliomini, em 1978, já aposentado, mas ainda trabalhando no Instituto Butantã, Otto Bier tomou posse na Academia de Ciências do Vaticano, apresentando o trabalho Immunological and Epidemiological Speculations on Leprosy, em coautoria com Osvaldo Augusto Sant’Anna, baseado no controle de imunorreceptores.
     Escreveu os livros “Bacteriologia e Imunologia – Suas Aplicações à Medicina e à Higiene” (1941), que teve 19 edições, todas revisadas por ele; “Noções Básicas de Imunoterapia e Quimioterapia” (1944); “Imunologia Básica e Aplicada” (desde 1963 em várias edições e com a colaboração de Ivan Mota, Wilmar Dias da Silva e Nelson Monteiro Vaz). Em 1979 esse livro foi editado em inglês e em alemão. Ainda como publicação post-mortem, em 1990, teve o livro “Microbiologia e Imunologia” em várias edições.  
     O Prof. Dr. Otto Guilherme Bier faleceu em 22 de novembro de 1985, aos 79 anos. A partir de 2008 seu nome está na Biblioteca Virtual Otto Bier da Sociedade Brasileira de Imunologia. É patrono da cadeira de nº 104 da Academia de Medicina de São Paulo.

Fontes Bibliográficas:
Begliomini, H. – Otto Bier. Academia de Medicina de São Paulo.
Acessível em https://www.academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/109/BIOGRAFIA-OTTO-GUILHERME-BIER.pdf
Furlanetto, RS – Otto Guilherme Bier in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes. Organizado por José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 134 a 137.

domingo, 24 de março de 2019

Biografia de Olivério Mário de Oliveira Pinto


     Nasceu na cidade de Jaú, aos 11 de março de 1896. Filho do Dr. Estevam de Oliveira Pinto, médico clínico da referida cidade, e de Dona Eudóxia Costa de Oliveira Pinto, ambos naturais da Bahia.
     Com a mudança da família, em 1905, para a cidade de Salvador, ali concluiu o curso de primeiras letras, matriculando-se, depois, no então Ginásio da Bahia, onde, em 1912, obteve o diploma de Bacharel em Ciências e Letras. A partir de então, dedicou-se ao ensino particular da História Natural e ciências correlatas, de conformidade com sua inclinação, muito cedo revelada, por esses estudos, pois, desde o período ginasial, num pequeno jornal estudantil intitulado “A Luz”, publicou seus primeiros ensaios no campo das letras, com diversos artigos sobre assuntos de sua predileção.
     Como na Bahia, na época, não havia curso voltado para a História Natural, ou algo similar, matriculou-se em 1916 na Faculdade de Medicina da Bahia, vindo a formar-se em 1921. Na ocasião, o formando deveria desenvolver uma tese para ser doutor em medicina. Sua tese teve o título “Sobre o valor do líquido cefalorraquiano no diagnóstico da sífilis nervosa”; assunto esse relacionado com a cadeira em que por dois anos se havia exercitado como interno no Hospital Santa Isabel.
     Ao concluir o curso médico, pretendia candidatar-se a uma das cátedras da Faculdade de Medicina da Bahia, prestes a vagar-se. Mas, por motivo de saúde, mudou-se para o Estado de São Paulo. No noroeste paulista fez curtos estágios em diferentes localidades. Em 1922, em Araraquara, passou a exercer a atividade de médico interno da Santa Casa da cidade e professor de Ciências Naturais na Escola de Odontologia e Farmácia, que acabava de ser fundada nesse local. Como Araraquara ainda não possuísse laboratório de Análises Clínicas, conseguiu a instalação de um desses serviços em anexo à Santa Casa, assumindo sua responsabilidade.
     Em 1924 casou-se com Alice Alves de Camargo.
     Em começos de 1928, transferiu sua residência para a cidade de São Paulo, pensando em abandonar a medicina clínica e dedicar-se ao laboratório ou à investigação científica em algum campo das ciências biológicas. Desse modo, exerceu, por alguns meses, o cargo de desenhista técnico no Instituto Butantã. Em 1929, ingressou no Museu Paulista como Assistente da Secção de Zoologia, cargo que a princípio exerceu interinamente, em substituição ao seu titular efetivo, Dr. Afrânio do Amaral, então comissionado nos Estados Unidos.
     Nesse contexto, tomou parte na fundação da Escola Paulista de Medicina, na qual, durante vários anos, teve a seu cargo a cadeira de Zoologia do curso pré-médico.
     No Museu Paulista, então dirigido por Afonso Taunay, ocupou-se, de início, com os Mamíferos, contribuindo com um estudo monográfico sobre os Sciuridas (esquilos) brasileiros, que foi publicada no tomo XVII da Revista dessa instituição. Pouco depois, voltou-se para a Ornitologia, com o projeto de completar a exploração metódica das diferentes regiões do Brasil a esse respeito. Dessa forma, excursionou em sertões de diversos estados brasileiros: São Paulo (1931), Goiás (1934), Mato Grosso (1931), Bahia (1932-33) e Pernambuco (1939). Sua efetivação no cargo de Assistente ocorreu em 1936, depois de concurso público de títulos e provas.
     Em janeiro de 1939, com a emancipação da Seção de Zoologia do Museu Paulista, que passara a denominar-se Departamento de Zoologia da Secretaria da Agricultura, foi chamado a exercer, em caráter efetivo, o cargo de Chefe da Divisão de Aves, em cuja qualidade foi pouco depois comissionado Diretor interino da nova instituição. Efetivado no cargo em 1941, prosseguiu seus trabalhos zoológicos, com novas excursões, coletando novos materiais, constando seus trabalhos em publicações dos “Arquivos de Zoologia” e em “Papéis Avulsos”, periódicos editados por essa instituição, criados e editados por ele.
     Além desses e outros trabalhos, até sua aposentadoria, em 1956, publicou, com ilustrações, um “Catálogo de Aves do Brasil”. Também tem entre seus trabalhos: “Estudo Crítico e Catálogo Remissivo das Aves do Território de Roraima”, a tradução comentada de “Reise nach Brasilien”, do Príncipe Maximiliano de Wied Neuwied, a versão dos estudos de M. H. Lichtenstein sobre a parte zoológica da Historia Naturalis Brasiliae, de Marcgrave e Piso, acrescida de minuciosa biografia do autor, e o histórico das expedições de coleta realizadas durante “Cinquenta Anos de Investigação Ornitológica”, no volume IV dos Arquivos de Zoologia.
     Quando do texto escrito por Afrânio do Amaral sobre Olivério, na década de 1970, estava em curso a publicação de um tratado sucinto e ilustrado de “Ornitologia Brasiliense”, cujo primeiro volume já estava publicado sob o patrocínio de Paulo E. Vanzolini, então diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo.
     Além disso, Olivério contribuiu para “As Ciências no Brasil”, de Fernando de Azevedo, com o capítulo de “Zoologia no Brasil” e com dois capítulos na “História Geral da Civilização Brasileira”, publicada sob a direção de Sérgio Buarque de Holanda. Também tem alguns trabalhos em colaboração com seu assistente Eurico A. de Camargo.
     Entre seus títulos e distinções foi: Membro Honorário da American Ornithologists Union e da Linnean Society de New York, Membro Estrangeiro da British Ornithologists Union, Membro Correspondente da Academie Internationale d’Histoire des Sciences, da Academy of Natural Sciences of Philadelphia, do American Museum of Natural History e da Sociedade Ornitológica del Plata.
     Olivério Mário de Oliveira Pinto é considerado o “pai da ornitologia brasileira”. Sua obra superou a de todos os outros que estudaram aves no Brasil. Em 1931 descreveu um caso de albinismo em perdiz. Sua obra “Catálogo das Aves do Brasil tinha 1226 páginas em dois volumes, um verdadeiro marco. Em 1950 resdescobriu a arara-azul-de-Lear entre Pernambuco e Bahia e em 1952 redescobriu o mutum-de-Alagoas. Descreveu dezenas de novas espécies e 62 novas subespécies de aves.
     Além de tudo isso, escrevia a maioria de seus trabalhos à mão e conhecia a Língua Portuguesa e o Latim profundamente.
     Em 1979 publicou seu último livro “A Ornitologia através das Idades (século XVI a século XIX)”. Nesse ano contraiu uma virose que prejudicou sua visão, de modo que interrompeu sua produção científica.
     Aos 85 anos, em viagem ao interior de São Paulo, ficou doente e foi internado em Piracicaba, onde faleceu em 13 de junho de 1981.
     Sua biografia, uma lista de todas as suas publicações, uma relação das espécies e subespécies por ele descritas, foi feita por H. Nomura em Ciência e Cultura, 36 (7): 1235-42, 1994.

Fontes bibliográficas:

1 – Amaral, Afrânio – Olivério Mário de Oliveira Pinto in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes. Por José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 130-133.

2 - Alvarenga, Herculano M. F. – 1896-1996 – Centenário de Olivério Pinto: “O Pai da Ornitologia Brasileira” in Atualidades Ornitológicas (74) 11.
Acessado em http://www.ao.com.br/ao74_11.htm
    

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Descrição do Mural “Medicina Experimental” da EPM


      Reproduzimos aqui o texto do Prof. Dr. Ribeiro do Valle, publicado no “O Bíceps” de 1962, nº 27, pgs. 40-41, que foi publicado pelo Prof. Dr. Durval Rosa Borges em seu livro “Foi isso que eu quis viver: 50 anos de formatura da turma de 1967 da EPM”.

     Assim escreve o Prof. Ribeiro do Valle:

     As cadeiras de Farmacologia e de Bioquímica da Escola Paulista de Medicina funcionam em edifício próprio sito à rua Botucatu, 862, em Vila Clementino, na cidade de São Paulo. No saguão de entrada do prédio existe um mural de seis metros de comprimento por quatro metros de altura, de autoria de Pietro Nerici, pintor italiano radicado no Brasil faz dez anos. Executados conforme a velha técnica dos afrescos em que se empregam óxidos metálicos coloridos de mistura com pó de mármore e argamassa, o mural é bastante sugestivo.
     Começaremos a nossa descrição pelo canto inferior esquerdo, onde três figuras de primeira grandeza da medicina brasileira – Osvaldo Cruz, Adolfo Lutz e Gaspar Viana – surgem de Manguinhos, reconhecível pela sua cúpula mourisca. Ao lado, outro instituto de linhas modernas revela ao observador a influência indutora da célula mater, responsável pela maioria dos centros de pesquisa biológica existentes no nosso país.
     O papel desempenhado pelo Instituto Osvaldo Cruz no terreno da saúde pública é calcado na cena de crianças brincando ao ar livre. Aquela vilazinha pendurada no morro lembra a origem de muitos que aqui trabalham e que na sua infância, sem preconceitos de cor, brincaram com arco, jogaram bola de panos ou empinaram papagaio.
     À esquerda, em cima, Lacerda e Couty estudam efeitos de plantas. João Baptista de Lacerda (1846-1915) foi o fundador do primeiro laboratório de fisiologia existente no Brasil, e Louis Couty (1854-1884), aluno de Vulpian, um dos primeiros a estudar, entre nós, os efeitos do café. Ambos acompanham o registro gráfico da pressão arterial do cão. Foi escolhido de propósito o assunto, dada a natureza dos trabalhos experimentais aqui realizados. De um lado, aspectos microscópicos do rim e de lesões renais encontradas, por exemplo, na hipertensão arterial experimental hormonal e, de outro lado, numa lembrança histórica, Stephen Hales (1677-1761) determinando pela primeira vez, experimentalmente, a pressão arterial carotidiana num equídeo.
     À direita, em cima, Lavoisier (1743-1794), assistido pela esposa a redigir o protocolo das observações, estuda as trocas respiratórias, numa antevisão do que significam hoje para a clínica médica e a semiologia as modernas técnicas da bioquímica. Mais à direita, cortes e desenhos mostram a importância da endocrinologia. No alto, a representação esquemática da adeno-hipófise com seus três tipos celulares, a secreção de gonadotropinas, o endométrio, as gônadas, a genitália, a lactação e a gestação. Mais à direita, o aparelho tiroparatiroidiano e, à esquerda, o galo normal e o capão dentro do ovoide testicular. Inferiormente, o timoneiro lembra o ciclo dos navegantes portugueses, o perigo do escorbuto e o alcance da vitaminologia. As nossas frutas ricas em ácido ascórbico, o pombo com beribéri e a representação de cristais de tiamina chamam de novo a atenção para o papel das vitaminas. Terminando a volta do painel, como se tivéssemos seguido a marcha dos ponteiros de um relógio, a obtenção do curare pelos índios do Amazonas e o consequente emprego dos bloqueadores ganglionares em cirurgia a reviver a senda da farmacologia desde o uso primitivo até o emprego racional e científico de novos medicamentos.
     O estudo das plantas, inclusive medicinais, feito pelos naturalistas que correram os nossos sertões e que tantas lições nos legaram, vem lembrado na figura de Barbosa Rodrigues (1842-1909) e de sua esposa quando, em missão do governo imperial, exploraram o vale do Amazonas. Junto às palmeiras, o ramo de café e dentro do hexágono a esquematização da tecnologia industrial, sugestivos da potência e das realizações paulistas. No centro do mural o hexágono do benzeno – símbolo da química dos organismos – reúne todos esses episódios das ciências fisiológicas e da nossa medicina. Finalmente, a dominar todo o painel, a figura austera de Claude Bernard (1813-1878), lídimo representante do espírito latino e fundador da medicina experimental. A seu lado, a esquematização da fórmula da glicose, do glicogênio no fígado e do ciclo de aproveitamento energético dos hidratos de carbono.
     A proposta para execução de um mural no saguão do novo edifício dos Laboratórios de Farmacologia e Bioquímica foi aprovada pelo Conselho Técnico Administrativo da Escola Paulista de Medicina na reunião ordinária de 20 de junho de 1956, presidida pelo sr. Diretor Prof. Dr. José Maria de Freitas, secretariada por dona Ida Paulini e com a presença dos conselheiros: profs. Drs. Felício Cintra do Prado, Jairo de Almeida Ramos, João Moreira da Rocha, Walter Pereira Leser e Marcos Lindenberg.
     Aprovada a ideia de um mural que aduzisse episódios da história da medicina mais ligados a nós latinos e brasileiros, passamos, Paiva, Nerici e eu, a imaginar as cenas e consultar livros e monografias. Além da pura criação artística, algumas cenas eram calcadas de figuras conhecidas. Assim, a que representa Hales medindo a pressão arterial carotidiana da égua foi sugerida de uma gravura do livro de Bettmann e Hench (O. L. Bettmann e P. S. Hench, A Pictorial History of Medicine, Springfield, Charles C. Thomas, 1956, p. 199) e a de Lavoisier e sua esposa, da gravura do livro de Holmyard (E. J. Holmyard, Chemistry to the Time of Dalton, Londres, Oxford University Press, 1925, p. 107). Na época em que foi pintado o mural ainda não conhecíamos o retrato de Couty que aparece sem a barba nazarena. O pintor não deixou de se representar como Osvaldo Cruz; a figura do cirurgião é a de um dos nossos assistentes, entre as crianças vêm-se representados filhos dos professores de farmacologia e de bioquímica. Barbosa Rodrigues, Lavoisier e as respectivas esposas podem ser tomados ainda como alusão ao fato de que vários casais trabalham nestes Laboratórios.
     Durante quatro meses, Pietro Nerici trabalhou com dedicação e entusiasmo na execução desse mural. Isto constituiu para todos nós exemplo de que vale colocar a alma inteira na concretização de um plano fiel e pacientemente elaborado. Diz o pintor que o mural durará enquanto subsistirem as paredes deste edifício.
     Enquanto sobreviver a Escola Paulista de Medicina, terão os nossos alunos nesse mural a oportunidade de gravarem noções que, ligadas ao passado, traduzem no campo da medicina o anseio de progresso inadiável do Brasil no concerto das nações civilizadas.

Fonte bibliográfica:
Ribeiro do Valle, José – Descrição do Mural “Introdução Pictórica à Medicina Experimental no Brasil” em “O Bíceps”, nº 27, pp. 40-41, 1962 in “Foi isso que eu quis viver: 50 anos de formatura da turma de 1967 da EPM”, de autoria de Durval Rosa Borges, Kato Editorial, 2017, São Paulo, páginas 34-37.
Observação: livro gentilmente cedido pelo Prof. Dr. Durval Rosa Borges.