terça-feira, 30 de agosto de 2022

Do livro de Paulo Fraletti “Vocação Hipocrática” (discurso de formatura) Homenagem aos 30 anos da existência da Escola Paulista de Medicina.

 

Este livro de Paulo Fraletti, escrito em 1963, em comemoração aos 30 anos de fundação da EPM, tem como escopo principal o discurso de formatura de dezembro de 1947 escrito e lido pelo próprio Paulo Fraletti. O livro tem três partes: como primeira parte uma espécie de “Introdução” que é nomeada como “Justificação”; como segunda parte o próprio discurso intitulado “Vocação Hipocrática”; uma terceira parte, contendo apenas um trecho das palavras do paraninfo Prof. Dr. Flávio da Fonseca.

Aqui reproduzimos apenas a primeira e a terceira parte. A segunda parte, mais longa, fica para uma próxima ocasião.    

Embora a composição da obra seja datada de 1963, o livro foi impresso em 1966, e seu texto inicial reproduz o entusiasmo do autor com o crescimento da EPM no início da década de 1960.

 

[Primeira Parte]

Justificação [Introdução]

          Hoje, passados 16 anos de nossa formatura, este discurso talvez não desperte, ou melhor, ao certo não despertará a mesma reação emotiva, nem tampouco terá a mesma acolhida com a da data de sua recitação, pois faltará agora (já que se vai lê-lo, e não o ouvir), a presença do orador, que, com seu entusiasmo de moço, não poderá compensar com sua voz, as muitas deficiências existentes.

          Até 1947, a escolha do orador da turma era feita por eleição, à qual, geralmente, se candidatava o orador oficial do Centro Acadêmico Pereira Barreto, prerrogativa da qual não quisemos abusar, apesar de termos sido eleito para o cargo durante todo o curso. Como, porém, da nossa turma (10ª), vários candidatos iriam disputar a preferência dos colegas, propusemos a realização de um concurso, o que aconteceu pela primeira vez, se não nos enganamos, na Escola Paulista de Medicina.

          Fizeram parte da banca examinadora os professores Dr. Felício Cintra do Prado e Dr. Paulo Eneas Galvão, da Escola Paulista, e o Dr. Antonio Ferreira Cesarino Junior, professor da Faculdade de Direito de São Paulo e calouro de medicina àquele ano.

          Atividades do Centro Acadêmico, correrias de exames e tropel de festas tão comuns no 2º semestre da 6ª série, não permitiram que muitas passagens do discurso fossem melhor cuidadas. A sua publicação, àquela época, em “O Bíceps” (jornal dos alunos editado pelo C.A. Pereira Barreto), dado os pedidos insistentes que nos eram dirigidos, saiu sem que pudéssemos ter-lhe dado feição definitiva, o que agravou as imperfeições já existentes, pois foi entregue à tipografia em manuscrito e com “letra de médico”, sendo que, para piorar tudo, não nos foram cedidas provas para revisão.

          A publicação definitiva, destinada a familiares, colegas de turma e amigos, conforme prometemos ao sair da Escola, cobrada frequentemente, foi sendo adiada de ano para ano, uma vez que as obrigações da vida e da profissão, em correria afanosa, vêm se sucedendo e aumentando à medida que os dias passam.

          Não quisemos, porém, deixar passar a oportunidade apresentada neste ano de 1963, quando transcorre o 30º aniversário de fundação da Escola Paulista de Medicina, juntando às grandes comemorações que lhe serão prestadas, a da nossa modesta oração.

          Que não se julgue, pois, o nosso discurso, feito em época de formação intelectual e profissional, pelo homem de meia idade de hoje! Que seja lido como trabalho de um moço, em plena posse de todos os seus ideais, sonhos e aspirações, inclusive de suas veleidades poéticas, escrito com o entusiasmo de alma e vibração emocional próprios da idade.

          É o pagamento de uma dívida afetiva, por isso mesmo dedicado aos familiares, colegas de turma, amigos e à Escola Paulista de Medicina que, no seu 30º ano de existência, já não mais é a Escolinha da década dos anos 30, nem apenas a Escola do nosso tempo (década dos anos 40), mas a grande Escola de hoje [1963], não só pela majestade do conjunto de instalações que vai rebentando como planta no chão da Vila Clementino, mas também pela soberba trajetória histórica que vem traçando – verdadeira marcha ufana dos vencedores de 1933.

                                                     São Paulo, 1 de junho de 1963

                                                                     P. Fraletti  

 

[Terceira Parte]

Palavras do Paraninfo

(trecho do discurso do Prof. Dr. Flávio Ribeiro Oliveira da Fonseca)

 

          Ao orador brilhante que em formosa oração interpretou os sentimentos da turma em relação a Escola Paulista de Medicina, eu quero agradecer em nome desta, as palavras que pronunciou, penhor de sua gratidão à Escola de que se despede. No trecho em que se dirige à minha pessoa, vejo apenas um símbolo, reconhecendo ser o paraninfo mero representante da Congregação, à qual se dirigia, portanto, o doutorando, ao saudar o seu patrono. As expressões de que se utilizou, ditadas pelo seu entusiasmo estuante de moço e de poeta, bem o dizem: tais ditirambos somente podem ser dirigidos a uma corporação e nunca a um homem; e não creio que haja algum, por mais vaidoso, que não receasse ser esmagado ao suportar sozinho o peso de elogios de tal quilate. Transmito-os, pois, integralmente, aos meus nobres colegas do corpo docente da Escola Paulista de Medicina, que, estes sim, são dignos deles, pela obra social e educacional que desprendidamente e com o maior sucesso, vêm realizando há três lustros em São Paulo.

 

Fonte bibliográfica:

Fraletti, Paulo – Vocação Hipocrática (discurso de formatura). Homenagem aos trinta anos de existência da Escola Paulista de Medicina. Gráfica e Editora Edigraf, São Paulo, 1966.

 

terça-feira, 19 de julho de 2022

A Semana de Arte Moderna, Jairo Ramos, Propedêutica e “Parnasianismo Médico”

 

     O jornal “O Estado de São Paulo” publicou em 13 de novembro de 1954, um artigo intitulado “Jubileu Profissional do Prof. Jairo Ramos” com um texto referente ao discurso do Dr. Paulo Almeida de Toledo (1909-1990), médico formado na Faculdade de Medicina de São Paulo em 1932[1].

    Ele inicia comentando que há 25 anos (1929), quando começou contato com a Clínica, a influência da Literatura sobre a Medicina era grande. Havia grande preocupação artística e com a oratória, de modo que as aulas eram cheias de floreios, adornadas de imagens, eventualmente chegando mesmo a certo grau de fantasia. Cita então Francisco de Castro, Miguel Pereira, Aloysio de Castro, Pereira Barretto, como médicos e professores de grande cultura geral, literatos, que, assim como seus discípulos, teriam “exagerado no acessório e esquecido do essencial”. Por outro lado, ele se refere, e cita, certo texto de Torres Homem, considerado, segundo ele, o maior clínico brasileiro de todos os tempos, texto esse sem floreios, que teria sido anterior ao período desses professores. Torres Homem descreveu minuciosamente o desenvolvimento de determinada patologia do esôfago, sem apelativos outros de linguagem.

     Toledo aponta então uma grande influência da linguagem médica francesa no fim do século XIX na maneira de se expressar. Considera que Francisco de Castro, em suas grandes obras médicas, tenha tido certo equilíbrio, mas com pendor para a preocupação literária. Cita então esse professor como o maior escritor médico “do passado” (obras da última década do século XIX). Assim ele apresenta outros exemplos de linguagem mais floreada, considerando como ponto culminante o médico Prado Valladares (Antonio), segundo Toledo, em torno de 1917, quando a Faculdade de Medicina de São Paulo estava no início e ainda faltava um ano para formar sua primeira turma. Em 1919, Jairo Ramos entraria na Faculdade.

    Ainda conforme o discursante, “o espírito positivo e empreendedor dos homens de São Paulo não se ajeitava bem à falsa literatura e à meia ciência ‘dourada pelos galões de eloquência’, exigia ciência objetiva”.

     Essa ênfase de Toledo pode ter sido, em parte, contagiada pelo memorável espírito do Quarto Centenário da fundação da cidade de São Paulo que ocorreu nesse mesmo ano de 1954. Por outro lado, tendo ele entrado na Faculdade de Medicina em 1927, foi testemunha do que acontecia ao seu redor.

     Toledo frisa então que Arnaldo Vieira de Carvalho foi buscar no estrangeiro professores de formação europeia que trouxessem a objetividade científica buscada. Entre os tais teria se destacado Alfonso Bovero. O discursante chama então de “espírito boveriano” um rigor que impregnou inicialmente as cadeiras básicas do curso médico, depois se estendendo a clínicos e cirurgiões. Esse espírito se caracterizava por exatidão, um cuidado minucioso e uma nova linguagem, segundo Toledo, “descarnada e seca”, mas objetiva. Ainda sobre Bovero relata que ele era um tanto impaciente, eventualmente respondendo de forma grosseira. De qualquer forma o rigor e a objetividade chegaram à Clínica. Desse modo, teria se instalado um clima propício ao estudo da Propedêutica Médica. Até então, com todo o floreio de linguagem valorizado, o exame do paciente era tarefa considerada secundária que ficava legada a assistentes dos catedráticos. Isso acontecia de maneira que as aulas magistrais eram magníficas sob o aspecto doutrinário, mas pouco tinham a ver com o que se tinha encontrado no doente.

     Por outro caminho, o espírito de observação de Laennec teria, de certa forma, passado a Torres Homem e deste ao Prof. Rocha Faria, que teria formado verdadeira “escola”. Seguidor de seus preceitos, em 1910, teria chegado à cidade de Avaré, no interior de São Paulo, conforme diz Toledo, “um jovem médico de atitudes arrogantes, afirmativo e irreverente que se chamava Álvaro de Lemos Torres”. Em 1913, ele transferiu-se para São Paulo e passou a ser assistente do Prof. Bovero, tendo clara preocupação com exatidão anatômica no exercício da clínica médica.

     Quando foram criadas as cadeiras de Clínica no Curso Médico, Lemos Torres começou a trabalhar na assim chamada “Segunda Medicina de Homens, na Santa Casa, participando do ensino de Propedêutica sob a chefia de Rubião Meira. Nesse ambiente, Lemos Torres fez ressurgir a escola de Laennec focada em história e exame físico minuciosos. Toledo ouviu Lemos Torres referir-se a “examinar sem juízo preconcebido, fria e minuciosamente, sem permitir que a primeira impressão perturbasse o espírito crítico. O diagnóstico deve vir depois, como resultado de uma propedêutica clínica imparcial e completa”.

     Conforme Toledo, Lemos Torres preferia errar, mas tendo feito um exame clínico acurado, do que acertar o diagnóstico a partir de uma primeira impressão. O triunfo de sua escola veio de sua propedêutica e de suas convicções, pois não tinha facilidade expositiva e nem era um grande escritor. Dessa forma, juntaram-se em torno dele os estudantes chamados por Toledo de “ratos de enfermaria”, entusiasmados com a Propedêutica, de modo que a melhor escola médica se tornou o leito de enfermaria.

     Nesta altura do discurso, Toledo diz que, por essa época, se sentia um “sopro de renovação literária em São Paulo e as velhas formas de literatura se tornaram insuficientes para exprimir as aspirações dos moços”. Assim, ele citou Mário de Andrade, Alcântara Machado e Oswald de Andrade como tendo levantado a bandeira da emancipação do pensamento e da linguagem com destruição das velhas formas consagradas. Essa tendência libertadora se fez sentir no meio médico.

     Entre os que rodeavam Lemos Torres, com sua obsessão propedêutica, ganhou destaque Jairo Ramos. Nas palavras de Toledo: “Áspero e irreverente, sem nenhum respeito pelas opiniões clássicas, com um ímpeto de iconoclasta e uma fé ardente de neófito, Jairo, pelo vigor da sua personalidade começou a se impor desde logo, conquistando, ainda recém-formado, um círculo de admiração e de respeito pela força de suas afirmações”.

      No entender de Toledo, essa irreverência de Jairo, de certa forma impregnada pelo ambiente dos modernistas, teria sido sua força inicial propulsora de tudo que veio a seguir. No início, Jairo Ramos não teria nem grande oratória e nem primorosa escrita, mas sua força estava em suas convicções voltadas para a Propedêutica Médica. Com o passar dos anos, ele teria desenvolvido uma cultura médica, bem como uma cultura geral, moderando sua aspereza. Lembra Toledo que Jairo Ramos tornou-se professor no mesmo momento em que se formou, ainda muito jovem.

     Jairo Ramos teria então passado a seus discípulos o grande interesse pela Propedêutica sem se aterem a floreios de linguagem ou elocubrações fantasiosas. Nessa linha, ele desenvolveu vários cursos extra de propedêutica por sistemas, bem como discussões de casos na enfermaria dos quais Toledo se lembra bem.

     Além da correlação de Jairo Ramos com os modernistas, Toledo também comparou obras da juventude e da maturidade do escritor Eça de Queiroz, com as obras médicas escritas por Jairo, bem como suas palestras, dizendo que ele aprimorou sua forma de escrever e de se expressar com o passar dos anos.


Fonte bibliográfica consultada: Acervo do jornal O Estado de São Paulo. 

 

 

 

 

 

    



[1] Paulo Almeida de Toledo foi médico da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde, além de atender pacientes, deu cursos de Patologia. Publicou artigos em jornais sobre assuntos médicos e de Cultura Geral. Em 1966 assumiu a cadeira de Radiologia na FMUSP e reestruturou esse Departamento. Foi Diretor dessa Faculdade quando criou o Velório e o Prédio de Administração do Hospital das Clínicas. Estruturou a Pós-graduação e projetou a criação de laboratórios de pesquisa médica.

Acessado em http://www.pesquisadores.museu.fm.usp.br/index.php/paulo-de-almeida-toledo;isaar às 11 horas de 19/07/2022.  

quarta-feira, 11 de maio de 2022

Biografia do Prof. Dr. João Baptista dos Reis (1910-1997)

 

     O Dr. João Baptista dos Reis nasceu em 24 de maio de 1910 na cidade de Tietê, estado de São Paulo. Fez o Curso Primário nessa mesma cidade no Grupo Escolar Luiz Antunes. Cursou o Ginásio e o Curso Científico também em Tietê no Colégio Plínio Rodrigues de Morais. Adentrou à Faculdade de Medicina de São Paulo no ano de 1929. Formou-se pela 17ª Turma dessa Faculdade em 1934. Após ter se formado, passou a frequentar o Hospital do Juqueri em um caráter de Médico Interno, similar ao que depois foi designado como “Residência Médica”, pois esses médicos moravam no próprio local de trabalho. Nesse estabelecimento, juntamente com outros profissionais, desenvolveu o aprendizado em Neurologia e suas interconexões com a Psiquiatria, pois era uma instituição que se prestava à internação de alterações comportamentais no sentido amplo do termo.

     Em 1980, o Dr. Reis publicou o livro “O Líquido Cefalorraquiano”, juntamente com Antonio Bei, João Baptista dos Reis Filho e Jayme Nasser. Refere ter embasado esse livro em quarenta anos de trabalho com líquido cefalorraquiano (LCR) no Hospital do Juqueri e na Escola Paulista de Medicina. Deste livro, colocamos aqui um pequeno trecho histórico, para entender como o Dr. Reis se ligou aos primórdios do trabalho com LCR em São Paulo e no Brasil.  

     Conforme escreveu na Introdução, no Brasil, os primeiros estudos com LCR no Brasil foram feitos em 1897, por Miguel Couto, no Rio de Janeiro, ou seja, apenas seis anos após Quincke ter iniciado, no mundo, as punções metódicas e estudos sobre LCR. Nesse mesmo ano, Correa defendeu tese sobre o valor diagnóstico da punção lombar, também no Rio. Assim também nessa mesma então capital federal foram feitas outras três teses sobre LCR até 1922. Em 1923, apareceu a tese de Pondé, na Bahia. Em 1924 foram apresentadas outras três teses no Rio de Janeiro.

     Em 1926 foram feitas as primeiras punções suboccipitais no Brasil, respectivamente por Esponsel no Rio de Janeiro e por Enjolras Vampré em São Paulo. Desse modo, pode-se ver que em São Paulo o pioneirismo com estudos sobre LCR foi por conta de Vampré; mais um de seus pioneirismos sobre Neurologia em São Paulo.

     A partir daí, sucederam-se outros trabalhos em São Paulo. Em 1929, Amaral defendeu tese, nesta cidade, intitulada “A punção suboccipital” e nesse mesmo ano, também em São Paulo, houve a tese de Toledo, “O líquido cefalorraquiano em Neuropsiquiatria, estudo de 650 casos”. Em 1930, Ferreira apesentou em São Paulo a tese “Clororraquia. Sua importância em Neuropatologia”. Em 1932 e 1933, surgiram três trabalhos: com Benício e Gildo Neto em Recife, Oswaldo Lange em São Paulo e Sá Pires em Belo Horizonte. Vemos aqui a menção daquele que praticamente iniciou trabalhos com LCR em profundidade em São Paulo (depois dos primórdios com Vampré), que foi Oswaldo Lange (1903-1986), professor da Faculdade de Medicina de São Paulo (USP a partir de 1934) que vai criar toda uma escola a esse respeito em São Paulo e no Brasil.

     Desse modo, em 1937, apareceu a primeira obra sobre líquido cefalorraquiano publicada no Brasil por Oswaldo Lange. Conforme cita o Prof. Reis em seu livro, nessa ocasião, havia três centros de estudos sobre LCR no Brasil: Oswaldo Lange em São Paulo, Cerqueira Luz e W. Pires no Rio e A. Benício em Recife.

     No transcorrer da década de 1930, mais precisamente após 1934, o Prof. Reis fez o estágio supracitado no Hospital do Juqueri, onde aos poucos desenvolveu o seu trabalho com LCR.

     Em 1938, quando o Prof. Paulino Longo assumiu a Cátedra de Neurologia na Escola Paulista de Medicina, substituindo o recém-empossado e falecido Fausto Guerner, O Prof. João Baptista dos Reis junta-se a esse grupo, concomitantemente à manutenção de seu trabalho no Hospital do Juqueri ainda por alguns anos. É como professor da Escola Paulista de Medicina que ele assume a Chefia do Laboratório de LCR dessa instituição.

     Pelo que foi anteriormente mencionado, pode-se perceber a presença do Prof. Reis entre os pioneiros do LCR em São Paulo, após o marco inicial de Oswaldo Lange.

     O Dr. Reis falava fluentemente várias línguas, incluindo-se entre elas o tupi-guarani. Para aperfeiçoar seu conhecimento em LCR estagiou no Saint Jude Hospital, em Memphis. Também teve vários trabalhos publicados no exterior, inclusive em alemão, de modo que teve seu nome dado a uma síndrome liquórica, Síndrome de Reis, por cientistas alemães, em casos por ele descritos de quantidade normal de células no LCR, mas com presença de hemácias entre essas células, podendo caracterizar um sutil sinal de provável hemorragia.

     O Prof. Dr. João Baptista dos Reis faleceu em São Paulo no dia 4 de março de 1997, com 86 anos de idade.

 

Fontes bibliográficas:

J. B. Reis, A. Bei, J. B. Reis-Filho, J. Nasser. Líquido Cefalorraquiano. Editora Sarvier, São Paulo, 1980.

Dados coletados com familiares, amigos e a Disciplina de Neurologia da Escola Paulista de Medicina.    

 

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Biografia do Prof. Dr. Darcy de Mendonça Uchoa


A partir de texto de Cléo Lichtenstein Luz

 

     Darcy Uchoa nasceu a 2 de junho de 1907 no estado de Alagoas, Município de Camaragibe, filho do Dr. Alfredo de Mendonça Uchoa e Dona Idalina de Mendonça Uchoa.

     Fez seus primeiros estudos, primário e ginasial, em seu estado natal, no Liceu Alagoano, tendo concluído aos 14 anos. Foi para o Rio de Janeiro onde se matriculou na Faculdade de Medicina da Universidade da Praia Vermelha, mais tarde Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, onde veio a se formar em 1927, com apenas 20 anos de idade.

     Após regressar ao estado de Alagoas, durante dois anos praticou clínica geral e cirurgia na Santa Casa de Maceió. Em 1929, veio para o estado de São Paulo. Por cinco anos, exerceu a medicina em Santana dos Olhos D’Água (Ipoã), Comarca de São Joaquim da Barra, onde também desenvolveu atividades jornalísticas e políticas, chegando a vice-prefeito. Era interessado em Ciências Humanas. Lia Psicologia e Filosofia. Interessou-se pela psiquiatria, por considerar se coadunar melhor aos seus pendores.

     Nesse sentido, procurou a Capital, onde passou a estagiar no antigo Departamento de Assistência a Psicopatas, que passou a se chamar Coordenadoria de Saúde Mental posteriormente. Em 3 de maio de 1936, foi nomeado médico desse Departamento, com funções no Manicômio Judiciário, onde ficou até 1941, trabalhando posteriormente no Hospital de Juquery (1941-43), Hospital Pinel e Ambulatório de Higiene Mental. Aposentou-se ao assumir a Cátedra de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina em 1964.

     Além da psiquiatria convencional, tinha interesse também em estudos de psicodinâmica, psicanálise e ciências correlatas. Foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Psicanálise em 1944, tendo se submetido a análise didática com a Dra. Adelheid Koch, médica psicanalista alemã que durante a Segunda Guerra Mundial foi atraída para o Brasil por jovens psiquiatras brasileiros sequiosos de formação.

     Em 1949, viajou para os Estados Unidos, onde ficou por cinco meses estagiando com Sandor Lorand no Instituto de Psicanálise de Nova York. Por um mês e meio acompanhou o trabalho de Frieda von Reichmann e colaboradores no Chestnut Lodge Sanatorium, Rockville. Também teve contato com Franz Alexander, Therese Bendek, Annie Reichmann e Edith Jacobson.

     Regressando ao Brasil, foi convidado para ser analista didata do Instituto de Psicanálise de São Paulo, exercendo essa função até a década de 1970. Foi presidente dessa sociedade em 1953-54, 1961-61, 1973-74, tendo propiciado a vinda de famosos psiquiatras de outros países.

     Obteve título de Livre-Docente pela Faculdade de Medicina da USP por concurso em 1947. Tornou-se também Livre-Docente pela Universidade do Brasil, tornando-se professor catedrático por concurso em 1958.

     Em março de 1964 prestou concurso para Professor Catedrático da Cadeira de Psiquiatria na Escola Paulista de Medicina. Como chefe do Departamento de Psiquiatria da EPM ampliou e inovou as diversas atividades. No início contava apenas com quatro médicos voluntários ou comissionados. Até os anos 1970 passou a contar com mais de setenta médicos. Por convênio entre a Secretaria da Saúde e a EPM, em 1972 conseguiu melhorar e ampliar as instalações do Departamento e aprimorar o pessoal especializado, criando a Residência em Psiquiatria da EPM.

     Em 1965 fundou o Centro de Estudos do Departamento, do qual foi o primeiro presidente. Em 1967 criou o Boletim de Psiquiatria. Criou os Simpósios de Psiquiatria, de ocorrência anual, desde 1971. Além disso promoveu diversos eventos, que contaram, além da psiquiatria, com a presença de Artes diversas. Participou de inúmeros congressos nacionais e estrangeiros. Publicou mais de 300 trabalhos científicos.

     Publicou cinco teses referentes aos seus concursos. Tese de Doutorado: “Psicopatologia do Incesto”. Concurso de Livre-Docência da USP: “A Estrutura Psicológica da Neurose Compulsiva”. Concurso para Catedrático da Universidade do Brasil: “Sobre a Psicopatologia da Despersonalização”. Concurso para Cátedra da EPM: “Sobre a Psicodinâmica da Depressão”. Concurso para Cátedra da USP: “Estrutura Psicológica do Delírio Esquizofrênico”.

     Publicou os livros: Psiquiatria e Psicanálise; Conceitos de Psiquiatria; Estudos de Psiquiatria Dinâmica; Psicologia Médica.

     Foi membro das seguintes associações: International Pychoanalytical Association, Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, Associação Brasileira de Psicanálise, Associação Brasileira de Psiquiatria,  Departamento de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo, Centro de Estudos Franco da Rocha, Sociedade Paulista de Psicologia e Psicoterapia de Grupo, Associação Brasileira de Medicina Psicossomática, Associação Psiquiátrica de São Paulo, Colégio Internacional de Medicina Psicossomática, Academia de Medicina de São Paulo. Exerceu cargos diretivos em várias associações.

     Em 13 de junho de 1977, o Prof. Uchoa chegou à aposentadoria compulsória. O Professor faleceu em 2003.

 

Fonte bibliográfica:

Cleo Lichtenstein Luz, “Darcy de Mendonça Uchoa” in José Ribeiro do Valle, “A Escola Paulista de Medicina – Dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes”. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, pp. 162-166.