segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Biografia de Archimede Busacca


Baseada em texto de Renato de Toledo

     “Archimede de Busacca, o imprevisível”. Com esse título, Sylvio Abreu Fialho relembrou a figura deste cientista que foi, também, um dos fundadores da Escola Paulista de Medicina.
     Imprevisível sim. Seu gênio difícil, habitualmente áspero, ríspido e mordaz na apreciação de pessoas e de coisas, deixando, apenas de quando em quando, transparecer seu fundo de bondade, criou mais antipatias e inimizades do que estima entre os oftalmologistas de São Paulo, que não o conheceram de perto.
     Talvez por isso tenha permanecido tão pouco entre os professores da EPM. Fundador, como os demais, deveria reger a Cadeira de Histologia até que chegasse a oportunidade da instalação da oftalmologia, para a qual se transferiria. Tal não aconteceu. No entanto, nunca foi negado o reconhecimento ao saber de Busacca. No Brasil e em outros países seus trabalhos foram citados e constaram entre os clássicos da oftalmologia universal.
     Pesquisador, muito mais clínico do que cirurgião, atividades para as quais não tinha paciência ou dom, desenvolveu a biomicroscopia ocular relacionando-a aos achados histopatológicos, como poucos fizeram.
     Essa sua predileção pela patologia oftalmológica veio desde sua formação universitária. Quando cursava o 2º ano de medicina, com 18 anos de idade, era já interno do Instituto Anatômico de Palermo, pa ssando posteriormente a Assistente, onde ficou até 1920. Em 1921 passou a Adjunto do Instituto de Patologia Geral de Palermo, quando se transferiu para a oftalmologia, ocupando o cargo de assistente nas Faculdades de Cagliari, Turim, Bolonha e Florença.
     Em 1926 fez concurso para Livre Docente em Oftalmologia em Florença, quando já apresentava relação de 33 publicações, a maioria sobre histologia, fisiopatologia e clínica oftalmológicas.
     Em 1928, transfere-se para São Paulo, revalidando seu diploma na então Faculdade Nacional de Medicina. Sua produção científica continua ininterrupta e com o mesmo ritmo, até março de 1971, quando faleceu, constando de seu currículo a relação de 155 trabalhos publicados em periódicos, além de 4 livros, um deles em 3 volumes, sobre biomicroscopia ocular. Praticamente nada publicou em português. Seus trabalhos figuram nas revistas alemãs, francesas e italianas.
     Busacca viveu exclusivamente para o estudo. Trabalhador incansável, avesso às atividades sociais, residindo sozinho no casarão onde também tinha seu consultório, fechava-se na enorme biblioteca todas as tardes, ao encerrar as consultas e, até altas horas, lia, revia casos de interesse, analisava desenhos de seus auxiliares, redigia trabalhos. Os poucos colegas que com ele estudavam, eram submetidos ao mesmo regime. Não admitia falha de interpretação e muito menos de observação.
     Orientou trabalhos de oftalmologistas de todo o Brasil, esclareceu dúvidas de quantos o procuraram, mas não fez continuadores.
     Momentos antes de sua morte, no Hospital da Escola que ajudou a fundar, o Dr. Renato de Toledo foi, atendendo a recomendação expressa em carta por ele entregue a seu advogado, examinar suas córneas, que deixaria para que o Banco de Córneas de São Paulo as transplantasse em dois pacientes por ele indicados.
     Conforme relato do Dr. Renato de Toledo: “Examinei, comovido, aqueles olhos sem vida, que durante sessenta anos esmiuçaram outros, e que, por sua vontade, num nobre gesto, continuariam a ajudar a ver”.
     Ainda informações adicionais sobre Archimede Busacca foram prestadas por Durval Livramento do Prado a Ribeiro do Valle:
     Busacca nasceu em Basico, Messina, na Itália, em 27 de janeiro de 1893 e diplomou-se em medicina pela Universidade de Palermo, em 1916, como aluno brilhante. Foi assistente do Instituto Anatômico de Palermo e adjunto de várias clínicas oftalmológicas universitárias. Recebeu a Cruz de Guerra por serviços prestados durante a Primeira Guerra. Em 1926 conquistou o título de Livre Docente de Clínica Oculística e honroso parecer da comissão examinadora. Seus Elements de Gonioscopie Normale, Pathologique et Experimentale foram publicados em São Paulo, em 1945, pela Tipografia Rossolillo; os 3 volumes da Biomicroscopie et Histopathologie de l’Oeil, em Zurich; a Biomicroscopie du Corps Vitre et du Fond de l’Oeil, por Masson et Cie., em Paris, em 1957 e o Manuel de Biomicroscopie Oculaire também em Paris, em 1966, por Doin-Deren et Cie.
     Antes de morrer, doou seus olhos a dois de seus clientes mais pobres, um olho para cada um, aos quais somente um transplante de córnea poderia lhes devolver a visão. A operação foi efetuada pela Sociedade Banco de Olhos do Estado de São Paulo, em São Paulo, com amplos resultados para os dois pacientes.
     Faleceu Busacca em São Paulo em março de 1971.

Referência bibliográfica:
Toledo, R. – Archimede Busacca (1893-1971) in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes. Organizado por José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica Revista dos Tribunais, 1977, páginas 46-49. 

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Biografia de Antônio Prudente Meirelles de Moraes


Baseada em texto de Dino Carlos Bandiera
    
     Antônio Prudente nasceu aos 8 de julho de 1906 em São Paulo e faleceu aos 17 de setembro de 1965 no Rio de Janeiro. Fez seus estudos secundários no Colégio São Bento e o Curso Médico na Faculdade de Medicina de São Paulo, tendo se formado na turma de 1928. Após a formatura, dedicou toda a sua existência ao ensino médico, principalmente à formação de Cancerologistas e à luta contra o câncer no Brasil.
     Em 1929, defendeu tese inaugural de doutoramento aprovado com grande distinção, sobre “Tratamento dos Fibromiomas Uterinos”. Nesse mesmo ano, seguiu para Berlim, onde, durante dois anos, no Serviço de Franz Kaiser, preparou-se e adquiriu grande experiência no tratamento cirúrgico de neoplasias malignas.
     Em 1933 iniciou a mobilização da opinião pública, através de uma série de artigos publicados em “O Estado de São Paulo”, sobre o problema do câncer. Foi em 1934, por ocasião do banquete oferecido ao Prof. Antônio Cândido de Camargo, que na época se aposentava, que conseguiu grande número de assinaturas de médicos presentes, o que tornou possível a fundação da Associação Paulista de Combate ao Câncer. As dificuldades para arrecadação de fundos, no início, foram enormes. Graças, porém, a relações pessoais com o Comendador José Martinelli, obteve do mesmo, donativo substancial. Foram iniciadas então, em 1946, as famosas campanhas contra o câncer, que não só esclareceram o público, como também proporcionaram fundos para a compra do terreno e construção do Instituto Central. E, assim, em 1948, foi instalada a Primeira Clínica de Tumores da Associação Paulista de Combate ao Câncer, no Hospital Santa Cruz. Nessa Clínica, foram preparados médicos para mais tarde assumirem as respectivas funções no Instituto Central.
     A construção do Instituto Central, primeira obra particular no gênero em nosso país, foi realizada graças ao sucesso obtido com as campanhas de fundo, sendo possível a sua inauguração em abril de 1953.
     O trabalho dedicado ao estudo do projeto e a fiscalização da construção, assim como à seleção do equipamento sob a máxima economia, dificilmente poderá ser relatado. O Instituto Central logo se tornou Centro de Ensino, onde se formaram cancerologistas hoje em atividade no país.
     A dedicação de Antônio Prudente, secundado pela atividade sem par de sua esposa Dona Carmen Annes Dias Prudente, permitiu manter bem alto o padrão da Instituição. Exerceu em dois períodos as altas funções de Diretor do Serviço Nacional de Câncer. Suas atividades na luta contra esse flagelo não se limitaram ao Brasil. No terreno internacional teve ação permanente, desde 1947, quando foi designado Membro da Comissão Diretora da União Internacional Contra o Câncer. Ocupou vários cargos nessa organização, e a ele se deve não ter havido cisão entre elementos europeus e americanos da Entidade.
     Em 1950, durante o Congresso de Paris, foi eleito Presidente do VI Congresso Internacional de Câncer. Apesar das dificuldades inerentes ao nosso meio, pode realizar, em São Paulo, Congresso de tal repercussão que foi considerado pela Unesco o mais organizado Congresso do ano.
     Neste Congresso, realizado em 1954, data da comemoração do IV Centenário da Fundação da Cidade de São Paulo, estiveram representados 54 países; contou com cerca de 1200 congressistas.
     Antônio Prudente participou ainda, como Delegado do Brasil, dos Congressos Internacionais de Câncer de Madrid (1933), Bruxelas (1936), Estados Unidos (1947), Paris (1950), Bombaim (1956), Londres (1958) e Tóquio (1960). Quanto à sua atividade didática devemos assinalar que em 1931 foi nomeado Assistente da Cadeira de Técnica Cirúrgica da Faculdade de Medicina, onde cooperou com Benedito Montenegro no curso regular dado anualmente até 1934.
     Em 1935 foi escolhido professor da Cadeira de Cirurgia Reparadora e Plástica da Escola Paulista de Medicina, sendo também um dos professores fundadores da EPM.
     Em 1939, tornou-se Docente de Técnica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, após concurso de Títulos e Provas, tendo defendido na ocasião a tese “Reparação no Câncer”.
     Proferiu, como convidado, aulas em várias Faculdades de Medicina do Brasil, tais como Nacional de Medicina, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Universidade de São Paulo, Bahia, Pernambuco. Ainda como convidado, proferiu aula na Faculdade de Medicina de Paris, New York, Buenos Aires, Montevideo, Assunção, Rosário de Santa Fé, Santiago do Chile, Lima, México, Chicago, Saint Louis, New Orleans, Tóquio, Cairo, Berlim e Roma.
     Tomou parte em várias Bancas Examinadoras de Concursos para Catedráticos e Docentes de Clínica Cirúrgica, Técnica Cirúrgica, Ortopedia e Ginecologia, em várias Faculdade Médicas do país. Entre cargos e funções exercidas convém destacar: 1º Diretor Presidente do Instituto Central do Câncer de São Paulo, Vice-Presidente da Pan-Pacific Surgical Society, Membro da Comissão Diretora e Vice-Presidente da Union Internationale contre le Cancer, Presidente da Sociedade Latino-Americana de Cirurgia Plástica, Presidente do 1º Congresso Latino-Americano de Cirurgia Plástica.
     Publicou cerca de 200 trabalhos em revistas médicas nacionais e estrangeiras, alguns dos quais constituíram contribuições originais, por exemplo, referentes ao tratamento hormonal do câncer de mama, à amputação interescápulo-torácica, transplantes livres de músculo, ligadura da aorta abdominal, melanoma maligno, regeneração de tecidos. Publicou sete livros entre os quais Nouvelles Techniques Operatoires dans la Chirurgie du Cancer, Masson & Cia, Paris 1951, teve grande repercussão. Pertenceu a 26 sociedades científicas das quais 13 estrangeiras.

Fonte bibliográfica:
Escola Paulista de Medicina - 40 anos - e fatos recentes. José Ribeiro do Valle, 1977. 
  

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Biografia de Antônio Ferreira de Almeida Junior


Baseada em texto de Armando Canger Rodrigues

     Almeida Junior nasceu em Joanópolis, Estado de São Paulo, aos 8 de junho de 1892, filho de Antônio Ferreira de Almeida e de Otília Caparica Ferreira de Almeida. Sua mãe faleceu quando tinha apenas quatro anos de idade.  Esse fato e o segundo casamento de seu pai devem ter contribuído para ter sido criado pelos avós, Anselmo e Bruna Caparica. Isso o tornou independente ainda muito jovem.
     Iniciou os seus estudos primários em sua cidade natal, concluídos em 1905 no Segundo Grupo Escolar do Brás (chamado Eduardo Prado nos anos 1970, quando da escrita desta referência bibliográfica), na Capital de São Paulo. Prestou, em 1906, exame de suficiência na Escola Normal Secundária da Praça da República, após curso preparatório noturno, diplomando-se professor normalista.
     Em 4 de abril de 1910, iniciou a sua carreira de professor no magistério oficial, lecionando primeiramente na Escola Isolada da Ponta da Praia, em Santos. Cerca de um mês depois, foi nomeado para a Escola Modelo em São Paulo, anexa à Escola Normal da Praça da República, tendo sido designado para reger a 1ª série do Curso Complementar. Lecionou francês e pedagogia na Escola Normal de Pirassununga de 1911 a 1915. Em 1913, a fim de aprimorar os seus conhecimentos, viajou para a Europa. Na França teve contato com George Dumas, o que foi importante para sua vida.
     Foi professor na Escola Noturna para Meninos Operários no Instituto Disciplinar de 1915 a 1919.
     Terminando o curso secundário no Ginásio do Estado (chamado Colégio Estadual de São Paulo nos anos 1970), submeteu-se aos exames vestibulares na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo e, aprovado, matriculou-se no Curso Médico em 1916, o qual terminou em 1921. Já portador de amplos conhecimentos humanísticos e de homem vocacionado para o ensino, escolheu para tema de sua tese de doutoramento o tema “O Saneamento pela Educação”, obtendo com grande distinção o título de Doutor ao formar-se, conforme era a norma da época.
     Como bolsista da Fundação Rockfeller, logo tornou-se assistente extranumerário do Instituto de Higiene (nos anos 1970 chamada Faculdade de Higiene da Universidade de São Paulo). 
     Em 1919, desempenhou funções de Auxiliar do Diretor Geral do Ensino, chefiando o 1º Recenseamento Escolar do Estado de São Paulo e, em 1920, passou a reger a Cadeira de Biologia e Higiene da Escola Normal do Brás (nos anos 1970, Instituto de Educação Padre Anchieta).
     Nessa ocasião, conheceu sua aluna Maria Evangelina de Almeida Cardoso, filha de Francisco de Almeida Cardoso e de Rita Evangelina de Almeida Cardoso, com quem se casou no dia 24 de fevereiro de 1922, e de cujo matrimônio nasceu, em 1923, seu único filho, Dr. Roberto Luiz Ferreira de Almeida, Promotor Público na Capital de São Paulo.
     Almeida Junior exerceu as funções de Diretor do Liceu Nacional Rio Branco, hoje Colégio Rio Branco, de 1928 a 1933, onde lecionava Física, Química e História Natural.
     Defendendo a tese “O exame médico pré-nupcial” na Faculdade de Direito de São Paulo, conquistou, em 1928, o título de livre-docente da cadeira de Medicina Pública, depois chamada Medicina Forense, naquela Faculdade.
     Em 1933, reuniu-se a uma plêiade de professores desejosos de ensinar medicina aos jovens de São Paulo, que se evadiam para escolas de outros Estados, face ao insuficiente número de vagas na única Faculdade de Medicina existente na época em São Paulo.
     Chefiado por Octavio de Carvalho, e juntamente com outros médicos ilustres, assinou o Manifesto da Escola Paulista de Medicina, publicado em 1º de junho de 1933, nos jornais de São Paulo.
     No mesmo ano de 1933, foi transferido da Escola Normal do Brás para o Curso de Aperfeiçoamento do Instituto Caetano de Campos, chefiou o Serviço de Saúde Escolar do Estado e participou da elaboração do Código de Educação.
     O Conselho Nacional de Educação, nesse mesmo ano, aceitou seu nome para o cargo de Professor da Cadeira de Medicina Legal da Escola Paulista de Medicina.
     Sobre ele, seu discípulo Costa Junior afirmou:
     “Mestre consagrado, figura ímpar de educador e de didata primoroso, dotado de invulgar capacidade de trabalho e de larga visão, não somente acerca dos temas médico-legais, como, também, a respeito do ensino em quaisquer dos seus graus. Expunha com arte e sabedoria a matéria lecionada, jamais de esquecendo de aproveitar todas as oportunidades para estimular, nos alunos, o cumprimento do dever e os mais puros sentimentos de brasilidade”.
     Em 1934, participou da Comissão que organizou o plano da Universidade de São Paulo e, fundada esta, tomou parte na elaboração dos estatutos, sendo então eleito membro do primeiro Conselho Universitário. De 1934 a 1941 integrou a Congregação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.
     Propôs, em 1935, juntamente com outros educadores, o questionário que serviu de ponto de partida para a elaboração do Plano Nacional de Educação, previsto na Constituição Federal de 1934. De 1934 a 1938 exerceu o cargo de Diretor Geral de Ensino do Estado de São Paulo, projetando amplo programa de construções escolares.
     Ao lado de Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Cecília Meireles, foi um dos autores do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, em defesa do ensino e da reorganização da educação em consonância com a realidade brasileira.
     No ano de 1941, prestou concurso para a Cátedra de Medicina Legal da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, classificando-se em primeiro lugar.
     Participou de política partidária, tendo sido presidente da União Democrática Nacional (UDN) nos biênios de 1951-52 e 1953-54. Essa faceta política foi considerada por familiares e amigos como dissonante e frustrante em sua trajetória.
     No período de 1944 a 1969, foi membro do Conselho Penitenciário do Estado e Secretário da Educação e Saúde, tendo sido Membro e Relator Geral da Comissão que elaborou o primeiro anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
     Integrou, de 1949 a 1957, o Conselho Nacional de Educação, sendo, em 1955, nomeado membro do Conselho Estadual de Ensino Superior.
     Em 1959, foi eleito, pela classe médica, como membro efetivo do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, cumprindo o mandato até 1964, onde se destacou pelas suas decisões e pareceres. De 1962 a 1967, foi membro do Conselho Federal de Educação, sendo que, em 1962, aposentou-se nas cadeiras de Medicina Legal da Escola Paulista de Medicina e na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
     Recebeu do Governo do Estado de São Paulo, em 1962, o título de Servidor Emérito do Estado e a Escola Paulista de Medicina outorgou-lhe o título de Professor Emérito, título igual ao que obteve da Faculdade de Direito em 1964.
     Almeida Junior possuía mais os seguintes títulos: Grande Oficial da Ordem do Mérito Educativo; Doutor honoris causa pela Universidade Mackenzie; sócio titular, benemérito e honorário da Sociedade de Medicina Legal e Criminologia de São Paulo; Sócio fundador da Sociedade Paulista de História da Medicina; sócio fundador da Sociedade Paulista de Medicina Social e do Trabalho; membro correspondente da Associação Médica Argentina – Seção de Medicina Legal e Toxicologia; sócio honorário da Academia Brasileira de Ciências Médicas Sociais; sócio honorário da Associação de Administradores Escolares; sócio fundador da Associação dos Cavaleiros de São Paulo e sócio honorário do Centro Acadêmico Pereira Barreto. Recebeu o Prêmio de Educação Visconde de Porto Seguro em 1957 e o Prêmio Moinho Santista no setor de Ciência da Educação, em 1970. Foi agraciado com as medalhas Oscar Freire e Nina Rodrigues, além de várias placas de prata oferecidas por agremiações universitárias e turmas de ex-alunos.
     Proferiu conferências, escreveu livros, artigos e pareceres não só no campo da Medicina Legal, mas da Medicina Social, Educação, Higiene, Anatomia e Fisiologia, Biologia e da Puericultura. A sua obra prima, ao nosso ver, é o livro didático, destacando-se “Lições de Medicina Legal”, surgido em 1948, e em onze edições sucessivas até 1974, as últimas com a colaboração de J. B. de Oliveira e Costa Junior, livro de texto adotado e manuseado com muita frequência em Medicina Legal na Escola Paulista de Medicina.
     Estes são seus principais livros: Cartilha de Higiene (1922); Noções de Puericultura (1927); Escola Pitoresca (1934, 1951 e 1966); Biologia Educacional: Noções Fundamentais (22 edições de 1931 a 1969); Lições de Medicina Legal (1948, chegou à 20ª edição); Problemas do Ensino Superior (1956); Escola Primária (1959); Manifesto dos Educadores Democratas em Defesa do Ensino Público (1959).
     Conforme consta no site da Academia de Medicina de São Paulo: “Antônio Ferreira de Almeida Junior faleceu 4 de abril de 1971, na cidade de São Paulo, com 79 anos incompletos. Seu nome é honrado como patrono da cadeira nº 35 da augusta Academia de Medicina de São Paulo; patrono da cadeira nº 4 da Academia Paulista de Psicologia; e patrono da cadeira nº 17 da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo – AFPESP. Também dá nome a uma escola pública na cidade do Guarujá (SP), no bairro Tejereba, e uma rua na cidade de São Paulo, no bairro Vila Guarani.

Referências bibliográficas:

1 - Antônio Ferreira de Almeida Junior, por Armando Canger Rodrigues in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes. José Ribeiro do Valle – Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, páginas 37-41.

2 - Antônio Ferreira de Almeida Junior, por Hélio Begliomini. Site da Academia de Medicina de São Paulo, conforme o acesso abaixo referido
http://www.academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/305/BIOGRAFIA-ANTONIO-FERREIRA-DE-ALMEIDA-JUNIOR.pdf      

domingo, 8 de outubro de 2017

Biografia de Antônio Bernardes de Oliveira


A partir de texto de Edison de Oliveira e de texto de Hélio Begliomini

     Bernardes de Oliveira nasceu na cidade de São Paulo em 3 de fevereiro de 1901. Era filho de José Bernardes de Oliveira e de América Bernardes de Oliveira.
     Fez o curso primário no Ginásio Marista de Santos, o curso secundário no Ginásio Oficial do Estado de São Paulo. Formou-se pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo em 1924. Foi interno de Anatomia Patológica na mesma Faculdade e durante o ano de 1925 foi redator chefe da Revista de Medicina e diretor da Sociedade Arnaldo Vieira de Carvalho. Escreveu belo artigo sobre o brasão da Faculdade de Medicina de autoria do professor Guilherme Bastos Milward (1878-1932).
     Após sua formatura exerceu as função de cirurgião geral do Hospital do Juqueri. Em 1930, e em 1938 e 1945, esteve na Argentina em viagens de estudos e aperfeiçoamento. Em 1931, fundou em Campinas Instituto Cirúrgico com seu nome e do qual foi diretor até 1938. Em 1933, tomou parte ativa na fundação e organização da Escola Paulista de Medicina, tendo sido escolhido para professor de Clínica Cirúrgica.
     Ingressou na Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, hoje Academia de Medicina de São Paulo em 1º de março de 1935, tendo aí permanecido por 46 anos, onde era titular e mérito da cadeira 21, cujo patrono é Benedicto Augusto de Freitas Montenegro.
     No período compreendido entre 1929 e 1935, exerceu ainda várias funções: Cirurgião Chefe da Companhia Paulista de Estrada de Ferro (1929); Cirurgião Chefe da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários da Companhia Paulista (1929); Major Médico Constitucionalista (1932); Presidente do Sindicato Médico de Campinas (1934); Presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (1935).
     Em 1938 fundou o Sanatório Esperança em São Paulo, onde permaneceu até 1951 como Diretor. Esse Sanatório, atual Hospital Infantil Menino Jesus, localizado na Rua dos Ingleses, começou sua história com um grupo liderado por Bernardes de Oliveira. O prédio é tombado pelo Patrimônio Histórico. Na década de 1950, após dificuldades financeiras, o hospital foi municipalizado, passando a atender crianças de até 12 anos. Em 1956 passou a ser chamado Hospital Infantil Esperança. Em 1960 mudou seu nome para Hospital Infantil Menino Jesus.
     Em 1936, após brilhante concurso, recebeu o título de Docente Livre da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Major Médico da Reserva do Exército Nacional (1944) esteve na Europa (1948), nos Estados Unidos (1952) e novamente na Europa (1958), em viagens de estudo e aperfeiçoamento.
     Em 1953, juntamente com Alípio Correa Netto e José Maria de Freitas, fundou o Departamento de Cirurgia da EPM que agrupou as disciplinas: Cirurgia Vascular, cirurgia Torácica,  Gastroenterologia Cirúrgica, Técnica Operatória, Neurocirurgia e Ortopedia. Foi o primeiro chefe da Disciplina de Gastroenterologia Cirúrgica, tendo tido como primeiros assistentes: Plínio Monteiro Garcia, Edison de Oliveira, Álvaro de Oliveira Penna, David Rosemberg e Romeu Santoro.
     Em 1965 fez o Curso da Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro e em 1970 e 1971 foi Delegado Regional da Associação de Diplomados da mesma Escola (ADESG) no Estado de São Paulo.
     Foi membro de várias associações médicas, entre as quais, a Academia Paulista de Medicina, Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Sociedade Paulista de Cirurgia Plástica, Sociedade Paulista de Ortopedia, Sociedade Paulista de História da Medicina, International College of Surgeons, Societé Internationale de Chirurgie (Bruxelas) e do American College of Surgeons, onde ocupou o cargo de Mestre do Capítulo de São Paulo.
     O professor Bernardes participou sempre de maneira intensiva do Ensino Médico em nosso país através de cursos especializados, conferências, comunicações verbais realizadas em várias entidades médicas do país, tendo participado também de numerosas bancas de concursos como professor examinador.
     Publicou três livros didáticos e 97 artigos sobre temas médicos científicos, em revistas nacionais e estrangeiras; dezenas de artigos de divulgação em jornais diários e revistas, falam bem claro da grande capacidade e dinamismo de Bernardes de Oliveira e de sua valiosa contribuição para a formação de novos médicos e para o desenvolvimento da Medicina em nosso país.
     Antônio Bernardes de Oliveira era dotado de grande cultura. Tinha enorme biblioteca que era fonte de consultas. Era cultor da técnica cirúrgica esmerada e elegante, recomendando que se exercesse isso como arte e não como ofício. Foi o quarto chefe do Departamento de Cirurgia da EPM, de 1964 a 1967.
     Foi casado com Stella de Oliveira. Além de médico era escritor e historiador. Pertenceu à Sociedade de Escritores Médicos (SBEM), tornando-se seu quarto presidente (1978-1979) da extinta regional paulista. Essa Sociedade foi fundada por Eurico Branco Ribeiro (1902-1978), na cidade de São Paulo, nas dependências da Associação Paulista de Medicina. Nos anos 1970, a Sociedade, que já era representada em vários Estados, cogitou mudança de nome. Em 1979, em Belo Horizonte decidiram a mudança para Sobrames, o que foi consagrado em 1981.  A regional paulista, não concordou e em algum tempo deixou de existir com o nome antigo. Em 1988, iniciou-se uma regional paulista da Sobrames.
     Bernardes de Oliveira escreveu a obra “A Evolução da Medicina até o Início do Século XX” (1981, 434 páginas). A finalidade deste livro conforme o autor: “despertar o gosto pela medicina entre os estudantes e médicos e trazer uma modesta contribuição para a cultura geral”.
     Antônio Bernardes de Oliveira faleceu em 16 de junho de 1981, aos 80 anos. É patrono da cadeira de número 109 da Academia de Medicina de São Paulo. Na capital dá seu nome à Unidade Básica de Saúde II da Vila Prel, Jardim São Luís; também tem seu nome uma rua no bairro Jardim Nambá e uma Escola Estadual no Jardim São Joaquim.  

Fontes bibliográficas:

Oliveira, Edison de – “Antônio Bernardes de Oliveira” in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário e Anotações Recentes. José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 29 a 31.

http://www.academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/295/BIOGRAFIA-ANTONIO-BERNARDES-DE-OLIVEIRA.pdf


sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Biografia do Prof. Dr. Afrânio do Amaral


Baseada em texto de Paulo Mangabeira Albernaz

     Afrânio do Amaral nasceu em 1º de dezembro de 1894, em Belém do Pará, onde fez o curso primário. Mudou-se para Salvador, onde cursou o Ginásio da Bahia, recebendo o título de Bacharel em Ciências e Letras, após curso brilhante, aprovado com distinção em 1910. Antes de diplomado já dava cursos de Latim e Grego.
     Em 1911, entrou na Faculdade de Medicina da Bahia, onde colou grau em 1916, quando sua tese sobre filariose recebeu o Prêmio Alfredo Brito. Aluno laureado, tem seu retrato no Panteão daquela Faculdade. Recebeu o Prêmio de viagem para especialização no exterior, com a incumbência recebida pela Faculdade de estudar quatro temas: vitaminas; soro-reações diagnósticas de sífilis; ensino de Fisiologia e Medicina Experimental nos Estados Unidos; sistema universitário na Europa e América do Norte. Os resultados seriam aplicados em nosso meio.
     Durante o curso de Doutorado em Medicina e Cirurgia, já eram evidentes suas qualidades de líder, e assim foi presidente da Beneficência Acadêmica, quando a seu convite, fez parte da Diretoria, como secretário da mesma, o Prof. Dr. Paulo Mangabeira Albernaz, em cujo texto embasamos esta biografia.
    Logo que terminou o curso, Dr. Amaral transferiu sua residência para São Paulo. Em vez de dedicar-se à prática clínica, em sendo cirurgião que tinha sido interno de confiança do Prof. Antonio Borja, preferiu concorrer a uma vaga no Instituto Butantã, em fase de expansão. Passou a frequentar o Instituto, trabalhando sob a orientação de Vital Brazil, Florêncio Gomes e Artur Neiva. Aí começou sua verdadeira vida científica, dando início a trabalhos experimentais e clínicos importantes.
     Em 1917, iniciou a carreira como médico auxiliar, passando a sub-assistente em 1918, assistente e assistente-chefe (Seção de Ofiologia e Zoologia Médica em 1919). Com a aposentadoria de Vital Brazil, foi comissionado no cargo de diretor em 1921. Em 1919-1921 coordenou a primeira reorganização do Instituto, dando início, como editor, à publicação das “Memórias” e dos “Anexos das Memórias” reservados a trabalhos originais de sua autoria sobre ofidismo.
     Após receber, em 1921, do Governo Federal o “prêmio de viagem ao exterior”, foi à Europa, ao Canadá e aos Estados Unidos, onde permaneceu por perto de três anos, dedicando-se a estudos de aperfeiçoamento em vários laboratórios universitários e institutos científicos, atento ao temário que lhe fora confiado pela Faculdade da Bahia. Tendo ainda obtido uma bolsa de estudos concedida pelo Conselho Internacional de Saúde, prolongou sua estada fora do país, inscrevendo-se na nova Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Universidade de Harvard, em colaboração com o Instituto Tecnológico de Cambridge, sempre trabalhando 14 horas por dia, o que lhe permitiu publicar em inglês 16 estudos nesse período. Recebeu ao final a aprovação por distinção com louvor em defesa  de tese, conquistando o duplo diploma de doutor em Saúde Pública e Medicina Tropical.
     Em fins de 1925, foi convidado pela Universidade de Harvard a fazer parte de seu corpo docente, recebendo então a incumbência de organizar e dirigir os serviços anti-ofídicos. De regresso a São Paulo em 1928, deixou fundado o “Antivenin Institute of America” com laboratórios em Harvard e em outras instituições, além de estações em diversas localidades do país e da América Central. Os méritos destes trabalhos foram de tal destaque que lhe foi conferido o afamado “Prêmio John Scott” pela Academia de Ciências e pelo Conselho Municipal de Filadélfia.
     Foi chamado pelo governo do Estado de São Paulo para organizar o Instituto Butantã em 1928. Passou depois a superintendente e, afinal, a diretor técnico científico.
     Ao atualizar o Instituto, tratou de transformá-lo no primeiro Centro de Medicina Experimental na América Latina, com os respectivos laboratórios.
     Posta em marcha esta modificação, voltou aos Estados Unidos para ministrar, na Universidade de Harvard, seu curso de aperfeiçoamento, após o qual partiu para a Europa, onde contratou um grupo de cientistas para auxiliá-lo no Butantã, juntamente como colegas brasileiros da nova geração.
     Pouco depois do seu retorno, foi chamado a tomar parte nas comissões de introdução do sistema universitário em nosso meio e de planejamento da Cidade Universitária na “fazenda” do Butantã.
     Em 1933, foi chamado para fazer parte do grupo fundador da Escola Paulista de Medicina. Teve parte ativa nessa fase de organização. Coube-lhe a tarefa de organizar o Regimento Interno e foi-lhe indicada a Cátedra de Higiene.
     Em 1934-1936, dedicou-se à reorganização e restauração da Cruz Vermelha e à reabertura do Hospital de Crianças.
     A seguir, tratou do aperfeiçoamento e padronização internacional dos produtos biológicos a cargo da organização internacional que mais tarde viria a ser a Organização Mundial de Saúde, o Comitê de Higiene da Liga das Nações, onde, a convite, passou a exercer o cargo de consultor científico.
     Em 1935, indicado pela Universidade de Harvard e pela Smithsonian Institution, foi, pelo plenário do XII Congresso Internacional de Zoologia (reunido em Lisboa), eleito membro da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica (para representar os especialistas de Língua Portuguesa), passando a membro da Diretoria em 1948 (XIII Congresso, em Paris) e membro do Conselho em 1963 (XV Congresso em Washington).
     Como cientista de renome internacional, foi colaborador de vários tratados e enciclopédias, tais como: Nelson – Loose Leaf Medicine, Cecil e Loeb; A Textbook of Medicine, Jordan e Falk; The Newer Knowledge of Bacteriology and Immunology, Brennemann e Kelly; Practice of Pediatrics, Piersol e Sejous; Encyclopedia of Medicine, Gradwohl e outros; Clinical Tropical Medicine, Altman e Dittmer; Biological Data Book, Coon; Current Therapy, etc.
     Baseado nos estudos que fez em 1922, orientado pelo Prof. E. V. McCollum (Universidade Johns Hopkins), sobre Química da Nutrição, praticou a tecnologia da soja e aproveitamento de seus aminoácidos na alimentação popular, assunto de que se fez pioneiro em nosso meio. Como coroamento dessa nova atividade, recebeu o “Prêmio Nacional da Alimentação” de 1950. Em sua oração de agradecimento perante o Ministério do Trabalho, tratou de sintetizar os aspectos técnico-científicos a par dos econômico-comerciais de tão complexo problema. Nesse período surgiu como pioneiro no consumo de frutas nas refeições dos brasileiros, bem como promotor da desidratação dos alimentos.
     Seus inúmeros trabalhos científicos se caracterizavam pela originalidade; por exemplo, em 1921, estudando os ofídios do Brasil, descreveu quatro novas espécies.
     Dotado de cultura humanística invulgar, profundo conhecedor do Latim e do Grego, dedicou-se à linguagem médica, tendo publicado inúmeros trabalhos, entre os mais documentados do ponto de vista filológico, publicados em língua portuguesa.
     Portanto, publicou sobre os mais variados assuntos, mas principalmente sobre ofidiologia e nomenclatura científica (principalmente médica), com 447 trabalhos.
     Figurando entre os fundadores da Escola Paulista de Medicina, foi um dos mais ativos e eficientes trabalhadores da primeira época. Em 27 de junho de 1933 foi escolhido para reger a Cátedra de Higiene. Quando o Diretor, Prof. Octavio de Carvalho, entrou em negociações para adquirir um novo prédio para a Instituição, ele fez parte da Comissão encarregada de estudar o problema. No entanto, a 5 de março de 1934, por diferenças com os demais fundadores, pediu demissão da Escola Paulista de Medicina. Continuou, porém, como membro efetivo da Sociedade Paulista para o Desenvolvimento da Medicina, prestando valiosos serviços.
     Foi membro de diversas sociedades científicas e sociedades literárias e filológicas nacionais e internacionais, tendo sido editor da Folha Filológica. Também foi Membro Titular da Academia Paulista de Letras e Diretor da Seção de Lexicografia.
     O Prof. Afrânio do Amaral faleceu na cidade de São Paulo, no ano de 1982.

Fonte bibliográfica: Albernaz, P. M. – Afrânio do Amaral in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes. José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, São Paulo, 1977, páginas 11 a 15.


terça-feira, 8 de agosto de 2017

Biografia do Professor João Moreira da Rocha


A partir de texto de Octavio Della Serra

     Moreira da Rocha nasceu em São Paulo, em 1º de outubro de 1890, filho de José Moreira da Rocha de Ana Joaquina Martins da Rocha. Formou-se em 1915 pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Iniciou, em 1916, sua carreira de ensino. Conduzido por Sérgio Meira Filho e Benedito Montenegro foi indicado e nomeado preparador e, posteriormente, assistente da Cadeira de Anatomia Descritiva e Topográfica da Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo (que viria a fazer parte da Universidade de São Paulo a partir de 1934). Essa cátedra era então dirigida pelo insigne anatomista italiano Alfonso Bovero. Em 1938, Moreira da Rocha torna-se Livre-Docente de Anatomia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Foi fundador e primeiro professor de Anatomia Descritiva e Topográfica da Escola Paulista de Medicina, de 1933 a 1960. Em ambas escolas ministrou numerosos cursos de aperfeiçoamento, de especialização, e de extensão universitária. Foi chefe do Serviço de Verificação de Óbitos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Ocupou cargos eletivos na Escola Paulista de Medicina e na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, bem como cargos de direção e colegiados técnico-administrativos. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Anatomia foi também sócio emérito da Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo. Criou e instalou Centros de Estudos de Anatomia Descritiva e Topográfica e de Neuroanatomia, de 1952 a 1960.
     Por mais de 40 anos o Professor Moreira da Rocha ensinou Anatomia com clareza, simplicidade e concisão. Suas aulas, cheias de aplicações médico-cirúrgicas, confirmavam a sua experiência didática e de pleno domínio da matéria. Além disso, era tido como um verdadeiro artista do bisturi, pois preparava com elegância e maestria as peças anatômicas que utilizava em suas demonstrações práticas. Também era um pesquisador, orientador e formador de discípulos, seguindo o exemplo de Alfonso Bovero. Nas duas escolas abrigava legião de jovens seguidores: anatomistas, clínicos, cirurgiões, cirurgiões-dentistas, que ocuparam postos universitários de diversas escolas do Brasil. Saíram do que ele carinhosamente chamava de “porão do laboratório de Anatomia”, por exemplo, Octavio Della Serra, Milton Picosse, Nylceo Marques de Castro, Jesus Pan Chacon, José Geraldo de Camargo Lima, Waldemar Pereira Diniz de Carvalho, José Pinus, Saul Goldenberg e Jorge Armbrust de Figueiredo.
     Modesto, avesso a homenagens, exemplo de capacidade intelectual, competência didática, zelo quase religioso no cumprimento de seus deveres de professor; a ordem, o método e o rigor científico eram as qualidades que imprimia em suas atividades e que infundia em seus discípulos.
     O Professor Dr. João Moreira da Rocha faleceu em São Paulo em 8 de junho de 1960. Duas de suas filhas se casaram com anatomistas e o filho mais velho, Fábio, se formou pela Escola Paulista de Medicina. Outro filho, Rubens, foi cirurgião-dentista da Polícia Militar de São Paulo.
     Ainda conforme informação da Sra. Ligia Moreira da Rocha (neta do Prof. João Moreira da Rocha) seu pai, Dr. Hélio Moreira da Rocha, é o filho mais novo do Prof. João Moreira da Rocha. Ele nasceu em 19 de fevereiro de 1932 e se formou na Escola Paulista de Medicina em 1958. As tias da Sra. Ligia, Lourdes e Ruth, casaram-se respectivamente com Octavio Della Serra (autor do texto em que nos baseamos) e Milton Picosse. 

Fontes bibliográficas:

Octavio Della Serra, “João Moreira da Rocha” in A Escola Paulista de Medicina – Dados Comemorativos de seu 40º Aniversário (1933-1973) e Anotações Recentes, por José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 96 a 98. 

Ligia Moreira da Rocha. Dados sobre a família do Prof. Dr. João Moreira da Rocha.  

domingo, 2 de julho de 2017

Biografia de Rocha Lima


Baseada em texto de Edgard de Cerqueira Falcão

     Henrique da Rocha Lima nasceu no Rio de Janeiro em 24 de novembro de 1879. Era filho de conceituado clínico carioca. Diplomou-se em medicina no início de 1901, pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, com a tese “Esplenomegalia nas Infecções Agudas”. Foi dos primeiros a participarem das fileiras de Oswaldo Cruz, passando a frequentar Manguinhos ainda quando aluno.
     Mal egresso da Faculdade, seguiu para a Alemanha, em viagem de aprimoramento técnico que durou dois anos. Em Berlim frequentou o Instituto de Higiene, tomando lições de microbiologia com Martin Ficker, e o Instituto de Patologia Rudolf Virchow, especializando-se em Anatomia Patológica com Kaiserling e Orth. Bastante enfronhado nesse dois ramos do saber, voltou ao Brasil, justamente quando Oswaldo Cruz delineava em Manguinhos o plano da escola de medicina experimental, destinada ao estudo dos grandes problemas sanitários brasileiros. Ninguém em melhores condições para colaborar com Oswaldo nessa magnífica empreitada do que ele. Assim, na nova organização foi-lhe confiado um dos dois postos de chefe de serviço então criados, com o encargo de supervisionar e orientar pesquisas e instituir cursos de aperfeiçoamento e especialização, que tiveram grande sucesso.
     Duas entidades mórbidas mereceram de sua parte, nessa fase, particular atenção e estudo: o carbúnculo sintomático, que dizimava os rebanhos brasileiros, e a febre amarela, contra a qual encetara Oswaldo vigorosa campanha de extermínio no Rio de Janeiro, baseada exclusivamente na perseguição ao inseto vetor, o Aedes egypti, na época denominado Stegomyia fasciata. Orientadas as pesquisas no sentido da obtenção de um meio profilático contra o carbúnculo, alcançou-se êxito, com a chamada vacina contra a peste da manqueira, em cujo preparo se distinguiu Alcides Godoy. Estudando, por outro lado, as lesões do fígado e do rim no curso do tifo icteroide, conseguiu Rocha Lima, por volta de 1905 e 1906, traçar o quadro característico delas, traduzido por extensa necrose salpicada, predominante na zona intermédia, ao lado da esteatose, conspícua nas células respeitadas pela necrose e verificada sobretudo nas zonas interna e externa do lóbulo hepático. Tão constantes e patognomônicas se mostraram essas alterações no acometimento pelo vírus amarílico, em comparação com lesões de outros agentes, que vieram a constituir elementos definidores da doença, conhecidos por sinal ou lesão de Rocha Lima. Mais adiante, em 1911 e 1914, completando e ampliando semelhantes estudos na Alemanha, apresentou-os nesse último ano, à Sociedade de Patologia da Alemanha, em Estrasburgo, não tendo, porém, conseguido o apreço devido nessa altura. Só muito mais tarde, por ocasião do surto de febre amarela de 1928 no Rio de Janeiro, veio a ter integral confirmação o conceito anátomo-clínico da febre amarela, baseado nos achados de Rocha Lima, por parte das meticulosas observações clínicas de Sinval Lins, consagrando-se a pesquisa sistemática das lesões em apreço como exame de rotina para esclarecimento diagnóstico post mortem, mediante o emprego do viscerótomo de Décio Parreiras.
     O prestígio crescente de Rocha Lima nos meios científicos internacionais não o deixaria permanecer por muito tempo em nosso meio. Duerck, ao assumir a cátedra da Universidade de Iena, convidou-o então para o cargo de assistente-chefe do Instituto Anátomo-Patológico desse estabelecimento. Aceitando o convite, Rocha Lima retirou-se do Brasil em 1909. Foi de curta duração sua permanência em Iena: oito meses. Foi atraído por outro grande centro alemão de pesquisas. Prowazek, conhecedor de perto de suas qualidades, chamou-o para o Tropeninstitut de Hamburgo, onde se veio a integrar de modo definitivo e duradouro. De 1910 a 1928, trabalhou a fio para a instituição fundada por Bernhard Nocht no grande porto hanseático. Inúmeras foram as facilidades de que se viu então cercado. Uma seção de patologia foi especialmente criada para ele, dando-lhe campo para praticar novas e empolgantes conquistas científicas.
     Além das investigações sobre as lesões hepáticas e renais da febre amarela, que lhe ocuparam a atenção, de início, nesse novo ambiente de trabalho, propiciando margem a publicações de elevado valor, no ano de 1912, também estudou na mesma oportunidade a tripanossomose americana, estampando excelentes contribuições, já de referência à evolução do parasita (Trypanosoma cruzi) nos tecidos e no corpo dos artrópodos hospedeiros intermediários (Triatoma magista), já com relação à patogênese das lesões orgânicas da protozoose que havia sido descoberta pelo grande Carlos Chagas (outra expressão da Escola de Manguinhos), donde o nome de “moléstia de Chagas”.
     Num afã verdadeiramente trepidante, teve ainda ocasião de praticar, ao mesmo tempo, pesquisas histopatológicas sobre a verruga peruana ou doença de Carrion, esclarecendo pontos obscuros no tocante à natureza e origem das lesões características do mal e descrevendo a forma intracelular do agente causador.
     As guerras balcânicas ocorridas em 1912-1913, fazendo reacender focos adormecidos de tifo exantemático, vieram desviar a atenção de Rocha Lima para outros centros onde sua presença foi reclamada. Assim, no decorrer de 1914 firmou contrato com o Governo de Hamburgo para ir estudar aquela grave enfermidade na Turquia, a grassar no seio das tropas que voltavam do campo de batalha. Encontrava-se em Constantinopla, em companhia de von Prowazek, procedendo a investigações sobre a matéria, quando iniciou a Primeira Guerra Mundial, obrigando-o a regressar à sede de sua instituição.
     Novamente comissionado em fins de 1914 pelo IX Exército Alemão para estudar a mortífera epidemia de tifo exantemático, irrompida num campo de concentração de prisioneiros russos, localizado em Kottbus, perto de Berlim, deslocou-se Rocha Lima para essa pequena cidade, onde, também em companhia de Prowazek, iniciou novos estudos sobre o assunto. Pouco depois contraíram ambos a doença, falecendo Prowazek a 17 de fevereiro de 1915, e escapando com vida Rocha Lima, muito alquebrado pela terrível infecção. Prosseguindo nessas pesquisas no próprio Tropeninstitut de Hamburgo, e mais tarde em Wloclawek (Polônia), veio, com Prowazek, a descobrir o germe responsável pela doença, por ele apresentado ao Congresso de Patologia de Guerra, reunindo em Berlim, em 26 e 27 de abril de 1916, dando-lhe a denominação de Rickettsia prowazeki, em homenagem aos dois mártires da ciência, Ricketts e Prowazek, sacrificados pelo tifo exantemático, quando o investigavam. Com esses estudos, abriu Rocha Lima novo capítulo no domínio da microbiologia, o das rickettsioses.
     Além do tifo exantemático, fez simultaneamente pesquisas em torno da febre recurrente e da febre das trincheiras, apurando a causa desta última como sendo também mais uma Rickttesia, por ele de igual modo descoberta em 1917, a Rickettsia pediculi.
     Instituída em 1919 a Universidade de Hamburgo, passando a integrá-la o Tropeninstitut, foi Rocha Lima nomeado docente livre e, em seguida, professor de Doenças Tropicais da Faculdade de Medicina. Sua aula inaugural, proferida em 10 de janeiro de 1920, versou sobre “Clamidozoários”, assunto acerca do qual esboçara a publicação de um livro, de parceria com Prowazek prejudicado pelo desaparecimento inesperado deste último.
     Duas vezes veio Rocha Lima ao Brasil durante o período em que se fixara em Hamburgo: no ano de 1920, a convite do Governo do Estado de São Paulo para assumir a direção do Instituto Butantã, o que não se concretizou, e, em 1928, para colaborar num curso ministrado no Rio de Janeiro, a cargo do Prof. Jakob. Dessa última feita, segundo convite daquele mesmo governo, a fim de chefiar a Divisão de Patologia Animal do Instituto Biológico (que Arthur Neiva, outro membro do grupo de Manguinhos, estava organizando em São Paulo), fez com que permanecesse definitivamente em nosso meio.
     No Biológico, a cuja direção geral ascendeu em 1933, e nela se manteve até 1949, imprimiu Rocha Lima o mesmo sistema adotado em Manguinhos, no começo do século. Tratou de formar pesquisadores em esclarecer problemas ligados aos interesses dos meios rurais, no domínio da patologia animal e vegetal. Orientador, sobretudo, de tais estudos, pouco tempo lhe sobrava para dedicar-se a novas investigações. Isso não obstante, teve oportunidade de colaborar com J. Reis e K. Silberschmidt na redação de importante capítulo sobre virologia para o famoso Tratado de Abderhalden sobre métodos de laboratório.
     Em três fases distintas pode-se dividir a brilhante carreira científica de Rocha Lima: 1- de 1903 a 1909, quando trabalhou ao lado de Oswaldo, ajudando-o a organizar Manguinhos; 2 – de 1910 a 1928, a serviço da Tropeninstitut de Hamburgo, na Alemanha; 3 – de 1928 a 1949, integrando e chefiando a Divisão de Patologia Animal do Instituto Biológico de São Paulo, a princípio, e, a partir de 1933, na direção geral do estabelecimento. Foi nessa época que assinou o memorável manifesto de fundação da Escola Paulista de Medicina inaugurando os seus cursos de Anatomia Patológica cuja responsabilidade logo transferiu para Juvenal Ricardo Meyer, renomado especialista do Instituto Biológico.
     Honrarias múltiplas, sobretudo na Alemanha, não faltaram para galardoar os méritos altíssimos de Rocha Lima. Condecorado com a Cruz de Ferro, pelo Imperador Guilherme II, por iminente perigo de vida em prol da Ciência, várias outras insígnias gloriosas lhe foram colocadas ao peito. Todavia, a que mais perto lhe deve ter tocado o coração foi, sem dúvida, a Medalha Bernhard Nocht, outorgada em 1921 pelo Tropeninstitut de Hamburgo, prêmio internacional a que mais três ilustres brasileiros vieram a fazer jus. 

Fonte bibliográfica: "Henrique da Rocha Lima", por Edgard de Cerqueira Falcão in A Escola Paulista de Medicina - Dados Comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes. Por José Ribeiro do Valle. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 86-91. 

domingo, 21 de maio de 2017

Biografia de Felício Cintra do Prado


Baseada em texto de João Roberto Pires de Campos

     Em 1932, visando adquirir prática de Ambulatório, informa João Roberto Pires de Campos que passou a frequentar o serviço de Clínica Médica de Homens da Policlínica de São Paulo, à Rua do Carmo, ambulatório esse dirigido por Felício Cintra do Prado, que acabava de regressar de viagem de estudos à Europa.
     Diplomado pela Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1923, Felício Cintra do Prado iniciou sua vida profissional na área de Neurologia, na qual fez sua tese de doutoramento, Síndrome pirâmido-palidal, aprovada com distinção e distinguida  com o Prêmio Sérgio Meira de 1924, conferido pela então Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.
     Tendo deliberado dedicar-se à clínica das moléstias do aparelho digestivo e da nutrição, empreendeu viagem de estudos à Europa, onde frequentou vários serviços hospitalares durante os anos de 1926, 1927 e 1928, especialmente em Viena e Berlim. Nesta última cidade trabalhou como assistente estagiário do Serviço do Professor Rudolph Ehrmann, no Hospital Neukoeln, onde coligiu material para o livro “Colecistite e Patologia Gastrointestinal”, laureado em 1930 pela Academia Nacional de Medicina com o Prêmio Alvarenga. De regresso a São Paulo, começou a trabalhar como clínico geral, manifestando predileção, que ainda conserva [em 1977, quando foi escrito o texto em que nos baseamos] pelos assuntos de gastroenterologia e terapêutica.
     Em 1933 começou a frequentar também o serviço da Policlínica um médico ainda moço, entusiasta, vivaz, que pouco depois falava da necessidade de criação de uma segunda Escola Médica em São Paulo: era Octavio de Carvalho, quem pouco depois, apesar da crítica e incredulidade de muitos, reunia a seu redor um grupo de médicos de escol, fundando com eles a Escola Paulista de Medicina. Para a cadeira de Terapêutica Clínica foi escolhido Felício Cintra do Prado.
     Em março de 1937 tiveram início as atividades da Cadeira, com aulas no anfiteatro da Sociedade de Medicina e Cirurgia e demonstrações práticas na Policlínica, que funcionava em 3 andares do mesmo edifício à Rua do Carmo. Foram seus assistentes, inicialmente, J. R. Pires de Campos e Francisco Xavier Pinto Lima e, posteriormente, também Reinaldo Chiaverini, Edmundo Blundi, Guido Guida, Dionysio Queiroza Guimarães, Milton Alvim Soares, Arnaldo Markman e outros. Só em 1953 a Cadeira de Terapêutica foi transferida para o Hospital São Paulo.
     Nascido em Amparo, Estado de São Paulo, a 20 de maio de 1900, Felício Cintra do Prado fez o curso secundário na cidade de Itu, no Estado de São Paulo, no Colégio São Luís dos padres jesuítas. Foi sempre um expositor brilhante, de palavra fácil e escorreita, gestos fidalgos e serenos, a evidenciarem sua primorosa educação. Acessível, desde logo soube conquistar a admiração e simpatia dos alunos que, em 1940, o escolheram como paraninfo da terceira turma de médicos formados pela Escola Paulista de Medicina. A sua oração de paraninfo “A Medicina e o Médico na Sociedade Contemporânea” (Pocai, São Paulo, 1941, 34 páginas) é um primor pelos conceitos inclusive no alerta já naquela época, dos perigos da plena socialização da Medicina de um lado e do outro do individualismo exagerado do médico [conforme palavras do autor da biografia João Roberto Pires de Campos]. Atuais e sempre oportunas são as suas expressões no final da aplaudida oração: “Mais grave, pelas suas consequências mediatas, se apresenta outro aspecto da questão, o cultural, que quer dizer crise do ensino. Trata-se, em rigor, de um período de adaptação. Não me refiro às mazelas e às fraudes do ensino, que constituem mal endêmico e pandêmico, mas à orientação do aprendizado. Vivemos uma época acentuadamente utilitarista e prática, em que se procura o rendimento máximo, rápido e fácil do trabalho, e este, mecanizado quanto possível. É o domínio, fatalmente passageiro, do material sobre o espiritual, e outras verdades sediças. O reflexo desta mentalidade já atingiu os arraiais do ensino, e o médico, influenciado pelo meio, corre agora o risco de transformar-se num simples técnico. Há mesmo os que defendem semelhante teoria, a qual terá sob algum prisma a sua justificativa, mas que, aliviando demasiado o ensino, ameaça a indispensável formação cultural do médico. Vencedora a tese, a derrota no fim será da profissão, levada aos poucos, de transigência em transigência, ao regime de práticos diplomados ou médicos licenciados, muito hábeis por certo, mas no fundo, gamelas e rábulas do ofício”.
     “Por último, o aspecto moral do problema, a crise ainda em esboço. Precisamos revalorizar a figura do profissional, desprestigiada pelo materialismo, pelo abandono das diretrizes espirituais na vida, e revalorizar não apenas pela cultura, mas também pela elevação do espírito e dignidade da conduta”.
     Felício Cintra do Prado casou-se com Leonor do Prado em 4 de outubro de 1937. Tiveram sete filhos: Luiz Eduardo, Heloísa Campos Pupo, Eleonora Velloso Roos, Fernando, Maria Cristina Prestes Motta, Felício Cintra do Prado Jr. e Patrício.
     Frequentador assíduo das reuniões da Congregação da Escola Paulista de Medicina, sua palavra criteriosa era sempre ouvida e acatada por seus pares. Também foi, durante longos anos, membro do Conselho Técnico-Administrativo da Escola, de que era muito cioso, e na crise política de 1964 exerceu com equanimidade por curto período a Diretoria da Escola.
     Tomou parte em Bancas Examinadoras de concursos de Livre Docência ou de preenchimento de Cátedra, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, entre outras.
     Foi um dos fundadores da Associação Paulista de Medicina, da qual foi Vice-Presidente nas diretorias de João Alves de Lima e Rubião Meira; e também da Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo, tendo sido eleito seu Presidente, por duas vezes.
     Presidente da atual Academia de Medicina de São Paulo, em 1953, sua gestão foi marcada pela remodelação total de sua sede. Em reconhecimento ao trabalho então realizado, a Academia promoveu-lhe, em 1954, expressiva manifestação, conferindo-lhe o título de Sócio Benemérito.  
     Sua inclinação sempre foi pela Gastroenterologia, especialidade em que adquiriu grande notoriedade. Foi um dos fundadores da Federação Brasileira de Gastroenterologia, da qual chegou à Presidência. Em 1952, como relator brasileiro ao Primeiro Congresso Panamericano de Gastroenterologia realizado no México, apresentou importante trabalho sobre pancreatites. Como Secretário Geral da Comissão Organizadora do IV Congresso Panamericano, realizado em São Paulo, contribuiu incansavelmente para o grande sucesso alcançado. Participou ainda, como relator de temas oficiais, dos Congressos Panamericanos de Havana e de Bogotá.
     Ultimamente [em 1977] seu labor se tem voltado para as edições do livro “Atualização Terapêutica”, em colaboração com Jairo Ramos [em 1977, já falecido] e Ribeiro do Valle. Desde a primeira edição, de 1957, até a décima, de 1975, o livro tem constituído sucesso da literatura médica nacional, esgotando-se rapidamente suas tiragens e totalizando atualmente mais de 80 mil exemplares.
     Cintra do Prado é membro da Academia Nacional de Medicina na Argentina, da Academia Teuto-Ibero-Americana de Medicina, da Alemanha, da Sociedade Nacional de Gastroenterologia da França, da Sociedade de Gastroenterologia e membro honorário da Associação Interamericana de Gastroenterologia.
     Autor de “Clínica das Afecções do Estômago” (Edições Melhoramentos, São Paulo, 1950); de “Curso de Atualização Terapêutica”, em colaboração com o Professor José Ribeiro do Valle, coletânea das aulas proferidas por um grupo de Professores da Faculdade de Medicina da USP e da Escola Paulista de Medicina (Labofarma, São Paulo, 1952); de “Curso de Dietética”, coletânea de conferências de professores da Escola Paulista de Medicina em Curso organizado por Felício Cintra do Prado (Edições Nestlé, São Paulo, 1952).
     Felício Cintra do Prado publicou mais de cem trabalhos no Brasil e em importantes revistas estrangeiras como, por exemplo, no Journal of the American Medical Association, no American Journal of Digestive Diseases, na Presse Médicale, em La Prensa Medica Argentina e na Deutsche MedizinischeWochenschrift.
     Felício Cintra do Prado faleceu em 22 de fevereiro de 1983. Seu nome figura como patrono da cadeira nº 41 da Academia de Medicina de São Paulo, e como nome de uma rua do bairro de Vila Império da cidade de São Paulo.

Referências bibliográficas:


1 – Capítulo intitulado “Felício Cintra do Prado”, escrito por João Roberto Pires de Campos no livro “A Escola Paulista de Medicina – dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes”. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 71 a 75.
2 – site da Academia de Medicina de São Paulo
http://www.academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/55/BIOGRAFIA-FELICIO-CINTRA-DO-PRADO.pdf                     

sexta-feira, 21 de abril de 2017

Biografia do Prof. Alípio Correa Netto


Baseada em texto escrito pelo Prof. Costabile Gallucci

     Alípio Correa Netto nasceu em 14 de janeiro de 1898, em Cataguazes, Estado de Minas Gerais.  Fez a primeira parte de seu curso secundário no Ginásio de São José da cidade de Ubá, no mesmo Estado, terminando esse mesmo curso em São Paulo, sob orientação do Prof. Alfredo Paulino. Em fevereiro de 1918 matriculou-se na Faculdade de Medicina de São Paulo, tendo concluído o curso médico em março de 1924. Foi orador de sua turma na formatura e sua tese de doutoramento intitulou-se “Cistos Congênitos do Pescoço”.
     Participou ativamente do movimento revolucionário de 1932, ocupando o cargo de chefe de Cirurgia do Hospital de Sangue de Cruzeiro, no Vale do Paraíba. Daí surgiu o seu trabalho “Cirurgia de Guerra do Hospital de Sangue de Cruzeiro” (1934).
     Como estudante e depois como assistente trabalhou no serviço de João Alves Lima, grande mestre de Cirurgia que recebeu ensinamentos na Faculdade de Medicina de Paris.
     Alípio Correa Netto seguiu com dedicação a escola e a obra didática de Lemos Torres.
     Em 1935 prestou concurso de provas e títulos para o cargo de Professor Catedrático de Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tendo sido classificado em primeiro lugar.
     Participando de movimento inovador e contestador, foi um dos fundadores da Escola Paulista de Medicina em 1933. Em 1936 tornou-se professor catedrático de Cirurgia da EPM.
     Imediatamente após assumir as duas cátedras, fez sentir sua condição de líder e de professor, sugerindo e adotando modificações no ensino médico e batalhando pela ideia de que muito mais do que Ensino Médico se deveria instituir o conceito de Educação Médica.
     Em 1944, participou da Segunda Guerra Mundial, integrando a Força Expedicionária Brasileira, como Major Médico, onde chefiou a Secção Brasileira do 32º Field Hospital. Por sua inteira dedicação nesse período, recebeu as seguintes condecorações: Bronze Star, outorgada pelo V Exército dos Estados Unidos, Medalha de Campanha e Medalha de Guerra do governo brasileiro. Além disso, foi condecorado como Cavaleiro da Legião de Honra do Governo da França.
     Por mais de 40 anos dedicou-se à educação médica (conforme texto de 1977) e, principalmente, à formação de professores. Formou uma das maiores escolas cirúrgicas do país, com muitos docentes em todos os campos da cirurgia: gastroenterologia, cirurgia cardíaca, vascular, cabeça e pescoço, plástica, entre outros.
     Foi pioneiro, no Brasil, da Cirurgia da Tuberculose, criando tradicional escola da especialidade, principalmente no Hospital São Luiz Gonzaga, em Jaçanã. Foi um dos iniciadores da Cirurgia Pulmonar não tuberculosa, do esôfago e do coração. Acumulou uma das maiores experiências mundiais em cirurgia da tiroide, reestruturando suas bases clínico-cirúrgicas. Ensinou, constantemente, a seus discípulos a fundamental importância do domínio dos métodos propedêuticos cirúrgicos na formação do cirurgião. Reconhecido por todos como insigne operador, Alípio Correa Netto era admirado como invulgar diagnosticador. Fiel ao princípio de educar e não apenas ensinar, sempre fez sentir a importância do correto vernáculo nas exposições orais, nas provas escritas e na redação de trabalhos científicos.
     Característica fundamental desse grande mestre tem sido facilitar a ascensão de seus assistentes na carreira profissional e universitária. Sempre incentivou a realização de trabalhos e teses de seus discípulos, acompanhando de perto a evolução de seus alunos e assistentes.
     Em relação à Cirurgia Experimental, procurou sempre estabelecer a diferença entre a cirurgia para aperfeiçoamento técnico em animais e a verdadeira cirurgia experimental, aquela que se caracteriza pela originalidade na pesquisa.
     Alípio Correa Netto preconizou e realizou profundas transformações nas Cátedras das Escolas Médicas em que exerceu suas atividades. Assim, em 1957, conseguiu, na Escola Paulista de Medicina, juntamente com os professores Antônio Bernardes de Oliveira e José Maria de Freitas, reunir as cátedras cirúrgicas em um único Departamento de Cirurgia. Deve-se assinalar que a transformação de Cátedras em Departamentos só foi oficializada na Reforma Universitária de 1968/1969, embora o primeiro Departamento em Escola Médica no Brasil já tivesse sido criado por Jairo Ramos em 1951 na Escola Paulista de Medicina.
     Alípio Correa Netto publicou mais de 70 trabalhos científicos como: “Clínica Cirúrgica”(5 volumes); “Propedêutica do Abdome”; “Megaesôfago, Patogenia, Diagnóstico e Tratamento”; “Afecções Cirúrgicas da Tiróide”; “Tratamento Cirúrgico do Megacólon”; Achalasie du Pylore chez l’Adulte; “Mecanismo da Cura da Caverna Tuberculosa pelo Colapso”.
     Homem de profunda formação humanística, não se restringiu à atividade médica. Foi fundador e presidente da Secção de São Paulo do Partido Socialista Brasileiro. Permaneceu nesse cargo até 1960, quando se desligou do partido.
     Exerceu o cargo eletivo de Deputado Estadual em 1951 e 1952. Em seu mandato apresentou, entre outros, dois projetos que se tornaram leis a partir de 1952: “Assistência Hospitalar no Estado de São Paulo”; “Assistência agro-médico-social ao trabalhador rural”.
     Foi Secretário de Higiene da Prefeitura Municipal de São Paulo na administração Jânio Quadros.
     Em 1955, por eleição do Conselho Universitário, exerceu o cargo de Reitor da Universidade de São Paulo.
     Em 1958 foi Secretário da Educação do Estado de São Paulo, no governo Jânio Quadros.
     Foi fundador e presidente da Associação Médica Brasileira de 1951 a 1955. Foi presidente da Academia Paulista de Medicina e do Colégio Brasileiro de Cirurgiões.
     Também escreveu sobre assuntos diversos. Escreveu “Diário de Guerra”, sobre sua participação na Força Expedicionária Brasileira, publicado na revista Anhembi. Estudou a vida e a moléstia que acometeu Aleijadinho e escreveu um ensaio onde desvenda o diagnóstico da afecção do escultor.
     Atento ao problema do transplante de órgãos, publicou livro sobre o assunto, que, segundo o intelectual Paulo Duarte, “pseudo obra de ficção em torno de um dos mais belos episódios da cirurgia brasileira, que foi exatamente a posição de Euryclides de Jesus Zerbini”. Sobre esse livro chamado “Ponto no Infinito”, continua Paulo Duarte, “estão retratados os nossos costumes, os nossos médicos, as virtudes e as deficiências do nosso serviço hospitalar, as manifestações dos órgãos publicitários, a curiosidade incontrolável, as manifestações oficiais, as alegrias em relação ao feito”.
     Alípio Correa Netto escreveu a biografia de seu mestre João Alves de Lima no livro “Um Mestre da Cirurgia”.
     Alípio Correa Netto faleceu em São Paulo, em 24 de Maio de 1988.   

Fonte bibliográfica: "Alípio Correia Neto" por Costabile Gallucci in  A Escola Paulista de Medicina - dados comemorativos se seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes. São Paulo, 1977. 

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Biografia do Prof. Pedro de Alcântara


Baseada em texto do Prof. Dr. Azarias de Andrade Carvalho

     Pedro de Alcântara Marcondes Machado nasceu em 1º de maio de 1901, na cidade de São Paulo. Fez o curso primário na Escola Alemã Santo Adalberto (1909-1921), o curso secundário no Ginásio do Estado da Capital (1913-1918) e o superior na Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, diplomando-se médico em 1924.
     Cedo demonstrou pendores para o ensino, ingressando, por concurso (1927) como catedrático de Instrução Moral e Cívica no conceituado Ginásio do Estado, local que formou pessoas notáveis em São Paulo nas décadas anteriores a 1950.
     Iniciou formação pediátrica em 1927, com o Professor Pinheiro Cintra, como assistente voluntário, no Pavilhão Condessa Penteado, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, então sede da Clínica Pediátrica da Faculdade de Medicina de São Paulo.
     Com a extinção da matéria Instrução Moral e Cívica em 1933, transferiu-se para o Instituto de Higiene, órgão em que já trabalhava como médico voluntário e onde passou a lecionar o curso de Higiene da Primeira Infância para educadoras sanitárias, transformando em Cátedra de Puericultura (1945) quando da instalação da Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo. No Instituto de Higiene desenvolveu e aplicou novas ideias sobre a saúde da criança, ideias estas que lhe granjearam a admiração e o respeito dos colegas de São Paulo e do Brasil. Nesta ocasião, dava assistência pediátrica a tal número de filhos de colegas que estes, num ato de reconhecimento e amizade, presentearam-no com um automóvel.
     Desde os tempos de estudante de medicina (1923-24) frequentava o Serviço do Prof. Rubião Meira, na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em cujas enfermarias se plasmaram notáveis vultos da medicina de São Paulo. Ali trabalhou (1925-26) como assistente voluntário sob a orientação de Lemos Torres.
     Como espírito progressista e atuante em sua época, não podia alhear-se às iniciativas arrojadas e empreendedoras, dando seu apoio e batalhando para a organização de nova escola médica em São Paulo. Incluindo-se entre os jovens médicos paulistas que lutavam por esse ideal, assinou o manifesto de 1º de junho de 1933, fundando a Escola Paulista de Medicina. Em sua fase de estruturação, numa das reuniões, foi um dos que usaram a palavra a favor do início imediato das aulas do curso médico. Durante aproximadamente 10 anos pertenceu ao Conselho Técnico Administrativo da EPM. Desenvolveu intensa atividade didática para alunos do curso médico. Orientou muitos médicos para a carreira pediátrica e durante sua gestão J. Renato Woiski defendeu a Livre-Docência, a primeira a realizar-se na Pediatria da Escola Paulista de Medicina.
     Em 1924, por ocasião da formatura, defendeu tese de doutoramento, com o trabalho Ensaio de Moral Sexual. Foi o primeiro pediatra a defender a Docência Livre em São Paulo (1935); em 1934 havia se tornado Livre Docente da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
     Em 1946, concorreu à cátedra de Clínica Pediátrica e Higiene da 1ª Infância da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, tendo sido aprovado com distinção. Para este concurso apresentou a tese Contribuição para o Estudo da Proteção da Criança contra os Agravos Psíquicos. Como espírito independente e cônscio do valor de suas ideias, escreveu seu trabalho baseado na lógica de seu raciocínio e nos ensinamentos que a observação diária de inúmeras crianças e de suas famílias lhe deram, tendo tido a coragem de dispensar qualquer citação bibliográfica.
     Houve época em que exerceu, concomitantemente, o magistério como catedrático em duas escolas médicas e uma escola de saúde pública. Com a evolução do ensino de Pediatria e de acordo com seu modo de pensar, sentiu que era menos proveitoso para seus alunos e discípulos sua permanência em três cátedras, motivo pelo qual afastou-se, inicialmente, da Faculdade de Higiene e Saúde Pública de São Paulo (1950), a seguir da Escola Paulista de Medicina (1957), permanecendo apenas na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Aposentou-se finalmente em 1964.
     Foi também professor da Escola de Enfermagem do Hospital São Paulo e da Escola de Serviço Social de São Paulo.
     Pelas suas ideias, revolucionárias para aquela época, a respeito de pontos básicos de pediatria e, principalmente, de puericultura, ainda totalmente verdadeiras nos dias atuais (1977), aglutinou em torno de si uma plêiade de discípulos e admiradores que tiveram o mérito de prosseguir na divulgação daquelas ideias.
     Realçou os estreitos vínculos existentes entre a saúde da criança e a situação socioeconômica e cultural da população. Manteve acirradas polêmicas em defesa dessas ideias, que são hoje totalmente vitoriosas.
     Simplificou as práticas da Puericultura, especialmente a alimentação, de acordo com a realidade da criança de nossa situação, fazendo-as de fácil compreensão para estudantes e médicos e proporcionando alívio para as mães que se livraram de uma puericultura sofisticada e artificial. Lutou contra o conceito arraigado no espírito das mães, por culpa dos médicos, de valorizar demasiadamente os dados fornecidos por uma balança para avaliar o estado de saúde da criança. Da mesma maneira, procurou demonstrar a influência das condições de salubridade da habitação na proteção da saúde da criança. Combateu energicamente o valor das tabelas numéricas usadas para avaliação da quantidade de alimento necessário para a criança, de uso generalizado naquela época.
     Preocupado intensamente com o bem estar da criança, combatia todas as práticas que deixavam de considerá-la como um todo, no sentido de “corpo, alma e integração na família e na sociedade”. Foi pioneiro entre nós do reconhecimento e divulgação do desenvolvimento emocional e das reações psicológicas normais e anormais da criança, numa época em que não se cogitava sequer de psicologia ou de psiquiatria infantis.
     Espírito culto e sensível, sempre se deleitou com a literatura, a música e principalmente a pintura, chegando mesmo a realizar palestras e conferências confrontando a pintura clássica e a moderna em suas diversas formas de expressão.
     Foi também membro do Conselho Universitário da Universidade de São Paulo como representante da Congregação da Faculdade de Medicina, e do Conselho Administrativo do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.
     Além de numerosos artigos publicados traduziu os livros: Diagnóstico diferencial em Pediatria (alemão) – Dr. Walter Pflüger (Stuttgart), 1933; Como desenvolver o apetite da criança (inglês) – Aldrich.
     Publicou os seguintes livros: Mortalidade Infantil – Problema espiritual, econômico, sanitário e médico (1945), reeditado com o nome Causas e Remédios Sociais da Mortalidade Infantil; Higiene da Primeira Infância (1936) – reeditado em 1945 e 1951; Mãe e Filho (Noções de Puericultura) – 1952; Perturbações Nutritivas do lactente – 1946; Pediatria Básica – (colaboração com Eduardo Marcondes) em 4ª edição [no texto de 1977].
     Suas ideias, divulgadas por diversos meios de comunicação e também por seus discípulos, ou discípulos de seus discípulos que ocupam numerosas chefias de Pediatria no Estado de São Paulo e no Brasil, influíram de maneira marcante em toda a Pediatria nacional.
     Foi Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria em 1954. Foi por ela homenageado ao ser indicado Patrono da Cadeira 10 da Academia Brasileira de Pediatria.
     Pedro de Alcântara faleceu em 18 de maio de 1979.

Fontes bibliográficas:

Capítulo sobre Pedro de Alcântara escrito por Azarias de Andrade Carvalho no livro “A Escola Paulista de Medicina – dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes”. Por José Ribeiro do Vale. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, pags. 142-146.

Sociedade Brasileira de Pediatria acessado em:
https://www.sbp.com.br/institucional/academia-brasileira-da-pediatria/patronos-e-titulares/pedro-de-alcantara-marcondes-machado/