domingo, 21 de maio de 2017

Biografia de Felício Cintra do Prado


Baseada em texto de João Roberto Pires de Campos

     Em 1932, visando adquirir prática de Ambulatório, informa João Roberto Pires de Campos que passou a frequentar o serviço de Clínica Médica de Homens da Policlínica de São Paulo, à Rua do Carmo, ambulatório esse dirigido por Felício Cintra do Prado, que acabava de regressar de viagem de estudos à Europa.
     Diplomado pela Faculdade de Medicina de São Paulo, em 1923, Felício Cintra do Prado iniciou sua vida profissional na área de Neurologia, na qual fez sua tese de doutoramento, Síndrome pirâmido-palidal, aprovada com distinção e distinguida  com o Prêmio Sérgio Meira de 1924, conferido pela então Sociedade de Medicina e Cirurgia de São Paulo.
     Tendo deliberado dedicar-se à clínica das moléstias do aparelho digestivo e da nutrição, empreendeu viagem de estudos à Europa, onde frequentou vários serviços hospitalares durante os anos de 1926, 1927 e 1928, especialmente em Viena e Berlim. Nesta última cidade trabalhou como assistente estagiário do Serviço do Professor Rudolph Ehrmann, no Hospital Neukoeln, onde coligiu material para o livro “Colecistite e Patologia Gastrointestinal”, laureado em 1930 pela Academia Nacional de Medicina com o Prêmio Alvarenga. De regresso a São Paulo, começou a trabalhar como clínico geral, manifestando predileção, que ainda conserva [em 1977, quando foi escrito o texto em que nos baseamos] pelos assuntos de gastroenterologia e terapêutica.
     Em 1933 começou a frequentar também o serviço da Policlínica um médico ainda moço, entusiasta, vivaz, que pouco depois falava da necessidade de criação de uma segunda Escola Médica em São Paulo: era Octavio de Carvalho, quem pouco depois, apesar da crítica e incredulidade de muitos, reunia a seu redor um grupo de médicos de escol, fundando com eles a Escola Paulista de Medicina. Para a cadeira de Terapêutica Clínica foi escolhido Felício Cintra do Prado.
     Em março de 1937 tiveram início as atividades da Cadeira, com aulas no anfiteatro da Sociedade de Medicina e Cirurgia e demonstrações práticas na Policlínica, que funcionava em 3 andares do mesmo edifício à Rua do Carmo. Foram seus assistentes, inicialmente, J. R. Pires de Campos e Francisco Xavier Pinto Lima e, posteriormente, também Reinaldo Chiaverini, Edmundo Blundi, Guido Guida, Dionysio Queiroza Guimarães, Milton Alvim Soares, Arnaldo Markman e outros. Só em 1953 a Cadeira de Terapêutica foi transferida para o Hospital São Paulo.
     Nascido em Amparo, Estado de São Paulo, a 20 de maio de 1900, Felício Cintra do Prado fez o curso secundário na cidade de Itu, no Estado de São Paulo, no Colégio São Luís dos padres jesuítas. Foi sempre um expositor brilhante, de palavra fácil e escorreita, gestos fidalgos e serenos, a evidenciarem sua primorosa educação. Acessível, desde logo soube conquistar a admiração e simpatia dos alunos que, em 1940, o escolheram como paraninfo da terceira turma de médicos formados pela Escola Paulista de Medicina. A sua oração de paraninfo “A Medicina e o Médico na Sociedade Contemporânea” (Pocai, São Paulo, 1941, 34 páginas) é um primor pelos conceitos inclusive no alerta já naquela época, dos perigos da plena socialização da Medicina de um lado e do outro do individualismo exagerado do médico [conforme palavras do autor da biografia João Roberto Pires de Campos]. Atuais e sempre oportunas são as suas expressões no final da aplaudida oração: “Mais grave, pelas suas consequências mediatas, se apresenta outro aspecto da questão, o cultural, que quer dizer crise do ensino. Trata-se, em rigor, de um período de adaptação. Não me refiro às mazelas e às fraudes do ensino, que constituem mal endêmico e pandêmico, mas à orientação do aprendizado. Vivemos uma época acentuadamente utilitarista e prática, em que se procura o rendimento máximo, rápido e fácil do trabalho, e este, mecanizado quanto possível. É o domínio, fatalmente passageiro, do material sobre o espiritual, e outras verdades sediças. O reflexo desta mentalidade já atingiu os arraiais do ensino, e o médico, influenciado pelo meio, corre agora o risco de transformar-se num simples técnico. Há mesmo os que defendem semelhante teoria, a qual terá sob algum prisma a sua justificativa, mas que, aliviando demasiado o ensino, ameaça a indispensável formação cultural do médico. Vencedora a tese, a derrota no fim será da profissão, levada aos poucos, de transigência em transigência, ao regime de práticos diplomados ou médicos licenciados, muito hábeis por certo, mas no fundo, gamelas e rábulas do ofício”.
     “Por último, o aspecto moral do problema, a crise ainda em esboço. Precisamos revalorizar a figura do profissional, desprestigiada pelo materialismo, pelo abandono das diretrizes espirituais na vida, e revalorizar não apenas pela cultura, mas também pela elevação do espírito e dignidade da conduta”.
     Felício Cintra do Prado casou-se com Leonor do Prado em 4 de outubro de 1937. Tiveram sete filhos: Luiz Eduardo, Heloísa Campos Pupo, Eleonora Velloso Roos, Fernando, Maria Cristina Prestes Motta, Felício Cintra do Prado Jr. e Patrício.
     Frequentador assíduo das reuniões da Congregação da Escola Paulista de Medicina, sua palavra criteriosa era sempre ouvida e acatada por seus pares. Também foi, durante longos anos, membro do Conselho Técnico-Administrativo da Escola, de que era muito cioso, e na crise política de 1964 exerceu com equanimidade por curto período a Diretoria da Escola.
     Tomou parte em Bancas Examinadoras de concursos de Livre Docência ou de preenchimento de Cátedra, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, entre outras.
     Foi um dos fundadores da Associação Paulista de Medicina, da qual foi Vice-Presidente nas diretorias de João Alves de Lima e Rubião Meira; e também da Sociedade de Gastroenterologia e Nutrição de São Paulo, tendo sido eleito seu Presidente, por duas vezes.
     Presidente da atual Academia de Medicina de São Paulo, em 1953, sua gestão foi marcada pela remodelação total de sua sede. Em reconhecimento ao trabalho então realizado, a Academia promoveu-lhe, em 1954, expressiva manifestação, conferindo-lhe o título de Sócio Benemérito.  
     Sua inclinação sempre foi pela Gastroenterologia, especialidade em que adquiriu grande notoriedade. Foi um dos fundadores da Federação Brasileira de Gastroenterologia, da qual chegou à Presidência. Em 1952, como relator brasileiro ao Primeiro Congresso Panamericano de Gastroenterologia realizado no México, apresentou importante trabalho sobre pancreatites. Como Secretário Geral da Comissão Organizadora do IV Congresso Panamericano, realizado em São Paulo, contribuiu incansavelmente para o grande sucesso alcançado. Participou ainda, como relator de temas oficiais, dos Congressos Panamericanos de Havana e de Bogotá.
     Ultimamente [em 1977] seu labor se tem voltado para as edições do livro “Atualização Terapêutica”, em colaboração com Jairo Ramos [em 1977, já falecido] e Ribeiro do Valle. Desde a primeira edição, de 1957, até a décima, de 1975, o livro tem constituído sucesso da literatura médica nacional, esgotando-se rapidamente suas tiragens e totalizando atualmente mais de 80 mil exemplares.
     Cintra do Prado é membro da Academia Nacional de Medicina na Argentina, da Academia Teuto-Ibero-Americana de Medicina, da Alemanha, da Sociedade Nacional de Gastroenterologia da França, da Sociedade de Gastroenterologia e membro honorário da Associação Interamericana de Gastroenterologia.
     Autor de “Clínica das Afecções do Estômago” (Edições Melhoramentos, São Paulo, 1950); de “Curso de Atualização Terapêutica”, em colaboração com o Professor José Ribeiro do Valle, coletânea das aulas proferidas por um grupo de Professores da Faculdade de Medicina da USP e da Escola Paulista de Medicina (Labofarma, São Paulo, 1952); de “Curso de Dietética”, coletânea de conferências de professores da Escola Paulista de Medicina em Curso organizado por Felício Cintra do Prado (Edições Nestlé, São Paulo, 1952).
     Felício Cintra do Prado publicou mais de cem trabalhos no Brasil e em importantes revistas estrangeiras como, por exemplo, no Journal of the American Medical Association, no American Journal of Digestive Diseases, na Presse Médicale, em La Prensa Medica Argentina e na Deutsche MedizinischeWochenschrift.
     Felício Cintra do Prado faleceu em 22 de fevereiro de 1983. Seu nome figura como patrono da cadeira nº 41 da Academia de Medicina de São Paulo, e como nome de uma rua do bairro de Vila Império da cidade de São Paulo.

Referências bibliográficas:


1 – Capítulo intitulado “Felício Cintra do Prado”, escrito por João Roberto Pires de Campos no livro “A Escola Paulista de Medicina – dados comemorativos de seu 40º aniversário (1933-1973) e anotações recentes”. Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1977, páginas 71 a 75.
2 – site da Academia de Medicina de São Paulo
http://www.academiamedicinasaopaulo.org.br/biografias/55/BIOGRAFIA-FELICIO-CINTRA-DO-PRADO.pdf