domingo, 5 de março de 2017

Manifesto de Fundação da Escola Paulista de Medicina


     A anormalidade das condições de vida espiritual e material que há longos anos vem assolando a Humanidade, e que tão intensamente tem repercutido em nossa Pátria, não teve o dom de prostrar as energias do espírito paulista. A vitalidade espiritual de São Paulo tem o vigor das forças naturais incoercíveis, a que o homem pode dar uma direção, mas nunca opor um obstáculo eficaz.
     Às inúmeras provas que ela tem dado da sua exuberância junta-se hoje mais uma, que por certo nada deverá às demais em brilho e valor. Trata-se da fundação da Escola Paulista de Medicina, que visa atender a mais de um problema do nosso meio.
     Em primeiro lugar, o do ensino médico, que tem sempre tido, para São Paulo, enorme importância. De 1912 a 1917 grande esforço se despendeu na formação da Universidade de São Paulo [[1]], o sonho malogrado de EDUARDO GUIMARÃES e que viria contribuir para sua solução. Em 1912 o próprio governo paulista, dominado pela impressão da necessidade de uma escola médica em São Paulo, delegou a ARNALDO VIEIRA DE CARVALHO poderes plenos para sua criação. Do esforço infatigável desse inesquecível paulista resultou a Faculdade de Medicina de São Paulo, que tantos e tão sólidos motivos de orgulho tem dado à nossa terra.
     Paradoxalmente, entretanto, a mesma Faculdade, que se propunha resolver o problema do ensino médico entre nós, e que por algum tempo o fez, contribuiu, a seguir, para sua agravação, graças ao enorme impulso que deu às letras médicas e ao número elevado de profissionais competentes que formou, criando assim novos e vivos estímulos para a vocação médica. E hoje a Faculdade de Medicina de São Paulo é insuficiente para colher a totalidade dos frutos de sua própria obra de nobre e elevada propaganda da Medicina como profissão.
     Tal circunstância, aliada às demais condições determinantes da orientação vocacional e ao sempre crescente poder de absorção de novos médicos, cuja falta cada dia mais se faz sentir por todo nosso Estado, onde há núcleos inteiros de população desprovidos de recursos clínicos – deu em resultado cursarem atualmente as demais escolas médicas brasileiras cerca de mil e quinhentos jovens paulistas.
     Esse fato, se tem constituído um elemento importante para a unidade espiritual brasileira, não tem sido sem dano para a Família e para a economia paulistas. Em seu aspecto espiritual são outros tantos rapazes que realizam, fora do âmbito familiar, uma das fases mais importantes de sua formação moral; em seu aspecto material são milhares de contos anualmente desviados da economia paulista – e essas circunstâncias serão beneficiadas pela nova Escola.
     Outro problema de importância inegável concorre para a fundação de uma nova escola médica, e é a situação da Assistência Hospitalar entre nós. Rica em tantos aspectos da vida social, nossa terra é indigente na assistência hospitalar à população pobre ou remediada.
     Tal situação seria um opróbrio para São Paulo, não fosse próprio dos organismos jovens e em rápido crescimento realizarem-no assim mesmo, adiantando-se muito o desenvolvimento de alguns órgãos e retardando-se o de outros.
     Uma escola médica exige instalações hospitalares para o ensino das clínicas, e a criação de seu hospital não será o menor serviço prestado a São Paulo pela nova Escola que, só por isso, faria jus ao maior carinho e ao melhor desvelo por parte da população paulista.
     A premência desses dois problemas – o do ensino médico e o da assistência hospitalar – bastaria para justificar amplamente a presente iniciativa; por outro lado, o elevado grau de desenvolvimento, já referido, alcançado entre nós pela cultura médica, e o interesse que São Paulo sempre dedicou às manifestações da atividade intelectual são motivos que legitimam a certeza de que a nova Escola nasce com os mais seguros elementos da vitalidade.
     Os signatários, fundadores da Escola Paulista de Medicina, se congregam em Sociedade Civil despidos de qualquer intenção de lucro material. Segundo disposições expressas em seus estatutos, as quotas de formação de capital inicial não serão recuperadas, os lucros decorrentes do funcionamento da Escola serão integralmente aplicados na melhoria das instalações da mesma, e no caso de liquidação da Sociedade o seu patrimônio reverterá em benefício de instituições científicas idôneas [[2]].
     Anunciando ao público a sua decisão, os signatários estão certos de que servem à coletividade, e dela esperam amparo e colaboração.

     São Paulo, 1 de junho de 1933.

Dr. Afrânio do Amaral
Dr. Álvaro Guimarães Filho
Dr. Álvaro de Lemos Torres
Dr. Alípio Correa Neto
Dr. Antônio Carlos Pacheco e Silva
Dr. Antônio Bernardes de Oliveira
Dr. Antônio Prudente
Dr. A. Almeida Junior
Dr. Archimede Bussaca
Dr. Carlos Fernandes
Dr. Décio de Queiroz Telles
Dr. Domingos Define
Dr. Dorival Cardoso
Dr. Eduardo Ribeiro da Costa
Dr. Fausto Guerner
Dr. Felício Cintra do Prado
Dr. Felipe Figliolini
Dr, Flávio da Fonseca
Dr. H. Rocha Lima
Dr. Jairo Ramos
Dr. José Medina
Dr. José Ignácio Lobo
Dr. José Maria de Freitas
Dr. João Moreira da Rocha
Dr. Luiz Cintra do Prado
Dr. Marcos Lindenberg
Dr. Nicolau Rosseti
Dr. Octavio de Carvalho
Dr. Olivério M. Oliveira Pinto
Dr. Otto Bier
Dr. Paulo Mangabeira Albernaz
Dr. Pedro de Alcântara
Dr. Rodolfo de Freitas


[1] A Universidade de São Paulo referida no texto era privada. Iniciou seus cursos em 1912 e foi fechada em 1917. A atual Universidade de São Paulo foi fundada em 1934.
[2] A Escola Paulista de Medicina foi privada de 1933 a 1956, quando foi federalizada. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário